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NELSON MOTTA
Vícios, lixos e ilusões
RIO DE JANEIRO - Domingo passado, numa loja de sucos de Ipanema, encontrei o deputado Fernando Gabeira, chegando de bicicleta:
"Meu deputado! Quantos eleitores podem dizer isso alto, no meio
da rua e com orgulho?".
Ele completou, rindo: "E quantos
deputados podem sair à rua?".
Apenas uma alegre cena carioca,
mas com final melancólico: eleitor e
deputado se despediram unidos na
certeza de que seus esforços, intenções e gestos são inúteis diante da
maioria absoluta dos atuais parlamentares e da nova classe que está
no poder.
Todos os dias, percorro diversas
vezes os blogs políticos. Cada vez fico mais nauseado, mas volto sempre. São como doses de veneno que
não consigo recusar, como uma
droga pesada que nos revela a inutilidade de nossa indignação diante
de tanta burrice e torpeza.
Nós somos cada vez mais irrelevantes para eles.
Esses colunistas políticos, que
alimentam meu vício por lixo, mereciam receber um adicional de insalubridade. Pela convivência diária com essa alta ralé que está dando as cartas e cantando o jogo. São
overdoses de bandalheiras, cinismo
e mentiras que são denunciadas, escondidas e comentadas, mas logo
esquecidas. Preciso me livrar dessa
droga malhada, como dizia Cazuza.
Pode até não parecer, mas gasto
muito tempo e esforço para produzir uma simples crônica para este
pequeno espaço, na ilusão de contribuir de alguma forma, mas é em
vão, ou quase. Diante dessa sensação de tempo perdido, me abrigo
em Albert Camus:
Sísifo foi condenado pelos deuses
a empurrar uma grande pedra até o
alto da montanha e, assim que chegava ao topo, ela rolava montanha
abaixo, e ele começava tudo de novo, todos os dias, eternamente. Para
Camus, era possível imaginar Sísifo
feliz. Mas não no Brasil.
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