São Paulo, segunda-feira, 20 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS / DEBATES

Guerra e paz

PAUL SINGER


Embora inimigos mortais, os extremistas israelis e palestinos se apoiam mutuamente na luta que travam
As notícias das atrocidades cometidas pelas forças armadas de Israel contra moradores dos territórios sob responsabilidade da Autoridade Nacional Palestina enchem de angústia e indignação todos os homens e mulheres de boa vontade, sobretudo os judeus que inevitavelmente são associados aos que ordenam e executam tais ações.
Mas, além da indignação e do protesto, é preciso procurar compreender para poder intervir de forma eficaz contra a guerra e pelo estabelecimento duma paz duradoura.
Ao longo dos 80 anos em que os dois povos estão disputando o domínio do mesmo território, sempre houve partidários da paz e convivência fraterna tanto entre judeus como entre palestinos. Em alguns momentos, os partidos da paz foram dominantes e puderam propiciar negociações, das quais resultaram acordos -é verdade que provisórios e incompletos, mas que poderiam ter dado lugar a uma verdadeira paz dos justos. Infelizmente, os partidários da guerra, que também sempre existiram entre judeus e entre palestinos, acabaram levando a melhor.
Os chamados fundamentalistas, de ambos os lados, se valem de argumentos religiosos e nacionalistas para preconizar a eliminação total por expulsão e extermínio do outro povo da Terra Santa. Mas, ao lado de tais argumentos, que não são os da maioria nem dos judeus nem dos palestinos, os extremistas usam a violência contra os membros da etnia oposta -e esta, sim, é altamente eficiente para evocar medo, ódio e desejo de vingança. Sentimentos estes que tornam as retaliações dos "nossos" extremistas justificadas e necessárias.
Trata-se de mecanismo clássico da "vendetta", em que os inocentes de cada lado -crianças, velhos, doentes etc- são vítimas preferidas, porque causam maior sofrimento aos que sobrevivem, evocando por parte destes retaliações mais selvagens. Embora inimigos mortais, os extremistas israelis e palestinos se apoiam mutuamente na luta que travam, na frente "interna", contra os partidos da paz. Cada atrocidade cometida por um lado reforça os que cometem atrocidades do outro lado.
É isso que explica como Ariel Sharon se tornou o chefe do governo de Israel e como os grupos que enviam homens-bombas e mulheres-bombas contra a população civil israeli se tornaram heróis para muitos palestinos. Hoje, os dois povos estão envolvidos num círculo vicioso de massacres do qual não se vê saída. E os partidários da paz precisam de enorme coragem e abnegação para manifestar o seu repúdio.
Israel ganhou a maior parte dos confrontos militares diretos, desde 1948, o que lhe permitiu ocupar por quase 35 anos os territórios palestinos e implantar nestes grande quantidade de colônias, que inviabilizam o estabelecimento de um Estado palestino soberano e independente de Israel.
A supremacia militar, de que goza, impõe a Israel o dever de tomar iniciativas reparadoras que possam encaminhar negociações de paz. Os últimos três governos de Israel têm feito o contrário: tentam impor aos palestinos o status quo pela força. Por isso, cabe-lhes a responsabilidade maior pela atual guerra.
Mas há responsabilidade também do lado palestino. Sua resposta à ocupação de seu território e à opressão que sofrem não é apenas política, mas tem tomado a forma de atrocidades contra civis inocentes, enfraquecendo sua causa ao justificar as alegações dos ocupantes de que a segurança de Israel corre perigo. A luta pela paz entre palestinos e Israel exige a condenação de toda violência e o apoio aos partidários da paz de um e do outro lado. Qualquer condenação unilateral reforça os partidos da guerra, tanto do lado condenado como do inocentado.
É constatação geral que, nessa conjuntura, nem Israel nem a Palestina, enquanto nações, podem por sua própria iniciativa acabar com o círculo vicioso de carnificinas. Uma intervenção militar externa, a ser conduzida pela ONU em nome de todos os povos da terra, é o único meio de alcançar a separação física entre os combatentes.
Em seguida, é preciso encetar um processo de negociações, convocado e arbitrado pela ONU, que faça justiça a palestinos e israelis, criando condições para a construção da paz. Os Estados Unidos, como superpotência, não têm isenção para pôr termo ao conflito.
Só as Nações Unidas têm credibilidade para essa missão, que pode ser crucial para toda a humanidade. Infelizmente, até agora a ONU tem se limitado a aprovar resoluções exortando os dois lados a suspender as hostilidades e negociar suas pendências, sem efeito concreto. Tanto os Estados Unidos como as potências européias não têm mostrado nenhuma predisposição para se envolver diretamente num esforço militar visando o cessar-fogo.
Nessas condições, o Brasil, com seu expressivo peso demográfico e econômico, deveria assumir postura mais afirmativa, aglutinando outras nações amantes da paz, para levar a ONU a uma ação firme contra a "vendetta".


Paul Singer, 69, é professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Erundina).



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