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Além da Navalha
É todo o sistema político brasileiro que, mais uma vez, desagradavelmente, expõe as suas entranhas com essa operação da PF
UM EX-GOVERNADOR, filiado ao PSB do Maranhão; um prefeito do
PSDB em Mato Grosso; um prefeito do PT na Bahia;
sobrinhos do atual governador
maranhense, pedetista; filhos de
um ex-governador sergipano, do
DEM; um deputado do Distrito
Federal, do PMDB. Todos, e
muitos mais, foram presos quinta-feira na Operação Navalha da
Polícia Federal.
Não poderia ser mais eclética a
composição partidária dos acusados em mais este escândalo.
Amigos e inimigos, apadrinhados e desafetos, nos mais variados níveis da estrutura administrativa, vêem-se flagrados no que
tinham em comum: as relações,
ao que tudo indica bastante heterodoxas, mantidas com a empreiteira baiana Gautama.
O esquema, pelo que se noticiou até agora, perpassava vários
ministérios, quatro Estados e
duas prefeituras. É todo o sistema político brasileiro, entretanto, que mais uma vez parece desagradavelmente expor suas entranhas com essa operação.
Nos últimos anos, nenhuma
organização partidária relevante
deixou de protagonizar episódios que vão do revoltante ao ridículo, compondo um painel que
desafiaria os pincéis do mais enfático adepto do surrealismo.
Cuecas, maletas, carros de luxo, máquinas de bingo, em meio
a curupiras, navalhas e sanguessugas -para lembrar os nomes,
sempre sugestivos, das operações da PF-, acumulam-se diante dos olhos do espectador, que
entretanto já não se surpreende.
Passou o tempo, com efeito,
em que o eleitorado podia ter
confiança nos instrumentos típicos da vida política, como a denúncia parlamentar, as CPIs e o
próprio voto, para afastar da vida
pública os envolvidos em corrupção. O problema se revela endêmico, e não terá sido necessária a Operação Navalha para que,
diante da cena de um político
acusando seu adversário de desonestidade, venha à mente de
qualquer brasileiro o velho refrão segundo o qual se trata do
roto rindo do rasgado.
Quando vigora um sistema intransparente de financiamento
das campanhas, quando o processo de elaboração orçamentária se dá pela barganha de emendas individuais, quando é precário o acesso do eleitor à informação e reduzida a sua capacidade
de organização política, nada
mais previsível do que a multiplicação dos casos de corrupção.
Não escapam do fenômeno, é
claro, nações mais desenvolvidas. Num país pobre, todavia, o
assalto aos cofres públicos é crime ainda mais revoltante -tanto
quanto o clima de impunidade
generalizada que o cerca.
O componente espetacular das
operações da PF atende com eficácia, sem dúvida, às demandas
da opinião pública no sentido de
que esse clima se dissipe. Para
além da atuação policial, entretanto, haveria muito mais a ser
feito contra a corrupção, no plano da reforma política e do aperfeiçoamento institucional do Estado. Eis uma esfera, infelizmente, em que não parece existir
operação de impacto à vista.
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