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O Judiciário fará a sua parte
RODRIGO COLLAÇO
Não aceitaremos a pecha da generalização. Estamos prontos para cortar na nossa própria carne. Lutamos para manter o Judiciário íntegro
A MAGISTRATURA brasileira é
composta por cerca de 14 mil
juízes e juízas que trabalham
espalhados por todo o território nacional em comarcas e tribunais.
Devido ao elevado número de
membros que integram o Judiciário,
seria ingenuidade imaginar que o Poder fosse ficar imune à corrupção, especialmente num país como o Brasil, cuja tradição patrimonialista e confusão entre o público e o privado são temas recorrentes de sua história.
Não há nenhuma corporação que
possa se dizer a salvo de eventuais
desvios cometidos por seus integrantes. Nem a imprensa, nem a igreja,
nem a sociedade civil como um todo
podem afirmar, sem hipocrisia, que
estão livres desse mal.
O que importa analisar, num primeiro momento e de maneira pragmática, não é a existência da corrupção em si, mas qual o comportamento
dos integrantes do Poder -a corporação- quando se deparam com fatos
que possam ter sido praticados pelos
próprios juízes contra a base ética e
moral dos princípios que, em última
análise, justificam e legitimam a própria existência da Justiça.
A AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) -entidade que reúne
mais de 14 mil juízes associados- manifestou-se, desde o início da crise,
em favor da apuração total dos fatos e
da punição exemplar dos que eventualmente sejam considerados culpados, em conformidade com as garantias constitucionais oferecidas a todos os cidadãos.
Temos certeza de que expressamos
com fidelidade o pensamento da nossa classe, que jamais compactuará
com a corrupção. Ao contrário, terá
sensibilidade social para cumprir integralmente o seu papel. Temos plena
noção de que é o Judiciário -acima
dos outros Poderes- o ramo do Estado que menos pode transigir com os
desvios de seus integrantes.
As decisões judiciais afetam a liberdade das pessoas, o patrimônio dos
brasileiros e de suas empresas. Com
uma decisão, o juiz modifica a guarda
dos filhos, afastando-os ou aproximando-os dos pais, retira bens dos
devedores, manda os criminosos para
a cadeia. Em suma, o juiz decide questões absolutamente fundamentais
para o cidadão brasileiro e o faz, quase
sempre, de forma coercitiva.
Os cidadãos, para aceitar a dureza
dessas medidas, para reconhecer legitimidade na atividade judicial do Estado (emanada dos juízes), não podem duvidar da honestidade de seus
julgadores.
A magistratura tem perfeita consciência da gravidade do momento pelo qual passa o Poder Judiciário e sabe que chegou a hora de praticar o bom
corporativismo.
Nós, da AMB, estamos ao lado e
prestigiamos os integrantes do Judiciário que têm atuado diuturnamente
contra a corrupção, seja expedindo,
quando presentes os requisitos legais,
mandados de prisão ou de busca e
apreensão para permitir o desmantelamento de quadrilhas e a redução da
criminalidade, seja autorizando, sem
pirotecnia nem alarde, operações policiais por todo o país, tão apreciadas
pela imprensa e pela opinião pública.
Do mesmo modo, estamos ao lado
dos magistrados que impedem os
abusos contra a cidadania, mantendo
a ação repressiva do Estado dentro
dos limites da Constituição e da lei.
As operações Hurricane e Têmis, é
bom lembrar, mesmo investigando a
conduta de magistrados, vêm sendo
conduzida por outros juízes -no caso, os ministros do STF e do STJ.
Tais operações romperam falsos
valores de proteção à autoridade política, judiciária e econômica vigentes
na sociedade brasileira. Pouco tem
importado o status político ou econômico dos investigados. A incidência
da Justiça penal deu um passo firme
em direção à democratização e à
igualdade de todos perante a lei.
Por outro lado, é necessário coibir
apenas a divulgação indevida de escutas legalmente autorizadas. Não se
combate a criminalidade com outro
crime. Não se luta contra a falta de ética com comportamento antiético. Para o Brasil sair vitorioso desse triste episódio, a criminalidade tem que ser
combatida dentro dos limites da lei.
De qualquer sorte, a magistratura,
diante do trabalho sério de seus milhares de integrantes que atuam por
todo o país, almeja ver reconhecido o
papel relevante que tem desempenhado em favor da melhoria dos valores éticos da nação. Não aceitaremos,
portanto, a pecha da generalização.
Estamos prontos para cortar na nossa
própria carne. Faremos a nossa parte
para manter o Judiciário íntegro e
respeitado pela população, como o
Brasil merece.
RODRIGO COLLAÇO , 44, é presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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