São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

República dos marqueteiros

Mais do que nas outras vezes, os marqueteiros eleitorais estão sendo o bode expiatório desta eleição. Passaram a ter um papel decisivo nas eleições brasileiras na época da campanha de Collor, final dos 80, quando se reproduziu, com o habitual atraso, o fenômeno que já vinha se instalando nos países desenvolvidos desde os anos 60.
Desde então sua influência tem crescido junto com a desfaçatez. Pois no início havia uma presunção de identidade de idéias, por assim dizer, entre o publicitário e o candidato que ele apoiava. Hoje, a atitude se profissionalizou por completo, sendo considerado natural que um marqueteiro tenha feito campanha para o adversário na eleição anterior.
Os publicitários são considerados responsáveis pela indiferenciação entre partidos e candidatos, embalados na mesma atmosfera amena, familiar e convencional dos anúncios de margarina. Atrelada à televisão, com pouco acesso a melhores fontes de informação e crítica, a maior parte do eleitorado é presa fácil das ilusões inoculadas ao longo do horário eleitoral compulsório.
Tudo isso é dito em oposição, parece, a um passado em que programas eram apresentados e discutidos, em que as candidaturas enfeixavam correntes de opinião devidamente organizadas na forma de partidos estáveis e coerentes, em que o eleitor escolhia com método. Ora, esse passado idílico, se é que existiu em algum lugar, decerto não foi no Brasil.
O que nos acostumamos a chamar de marketing político sempre exerceu, como é óbvio, um peso importante em qualquer forma de democracia eleitoral. Até entre os chimpanzés, quando dois ou três líderes disputam o controle do bando, é comum colherem frutos para com eles prodigalizar os eleitores, os quais se tornam exigentes e mimados...
A "novidade" é que, na sociedade contemporânea, em que tudo passa a ser objeto de atividade profissional, o marketing também se profissionalizou. Dotou-se de meios técnicos para interpelar o eleitor ao lado dos quais o comício, o panfleto, a assembléia parecem recursos da Idade da Pedra. A audiência desproporcional da TV torna esse efeito ainda mais deformante no Brasil.
Não se trata de defender tais publicitários, que introduziram a lógica da mercadoria num palco de decisões até há pouco ainda relativamente imune a ela. "Culpá-los", porém, equivale a ignorar a metamorfose pela qual a política está passando em todo o mundo e pensar que o movimento dos ponteiros no relógio é que causa a passagem do tempo.
Da mesma forma que é impossível impedir o uso de um recurso tecnológico se ele se mostra vantajoso, é inviável conceber eleições em que o marketing não mais esteja no epicentro de toda a estratégia. Como qualquer linguagem, a do marketing também revela ao mesmo tempo em que oculta: decifrá-la é talvez o maior desafio de pedagogia política hoje em dia.
Nos comerciais de Collor, desde que "lidos" adequadamente, desfazendo-se as inversões e deslocamentos da alquimia publicitária, tão semelhante à dos sonhos, já estava latente muito do que seria o seu governo. A única pedagogia que funciona em política é a da auto-educação pela tentativa e pelo erro, mas a crítica alerta e ativa, em vez de lamuriosa, também pode ajudar.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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