São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Crise a médio prazo

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

A sociedade brasileira está perplexa. De um lado, um ataque especulativo desproporcional à fragilidade da economia brasileira traz intranquilidade a todos. De outro, a eleição presidencial se aproxima, e as elites empresariais e financeiras não têm nenhum candidato que partilhe, com elas e com Washington, a visão de que, não fosse a incerteza quanto às eleições, bastaria dar continuidade à política macroeconômica atual para que tudo se arranjasse.
A preocupação das elites é com uma eventual política econômica populista por parte do novo governo, que poderá ser tanto de caráter fiscal -gastar mais do que arrecada- como cambial: manter o câmbio baixo para conter a inflação e elevar os salários. A preocupação é legítima, na medida em que diversos candidatos não apresentam garantia suficiente de que isso não ocorrerá. Mas é preciso considerar que todos os candidatos estão bem avisados dos perigos envolvidos no populismo.
Existe, porém, a possibilidade de que a atual política macroeconômica seja mantida no futuro governo, não obstante os quatro principais candidatos afirmarem que vão mudá-la, porque é uma política que tem o apoio das próprias elites conservadoras do país e das agências multilaterais. Assim, pelo menos por uma questão de inércia, o novo governo pode ser levado a mantê-la.
Ora, esta é uma perspectiva ainda mais preocupante, porque leva o país, a médio prazo, à insolvência. Seus três pilares são a taxa de juros alta, o câmbio artificialmente rebaixado e uma política fiscal insuficiente de contenção da despesa pública. Um quarto pilar -uma política comercial protecionista, em vez de uma agressiva na conquista de novos mercados- foi afinal abandonado, sendo esta a única boa notícia na economia brasileira desde a bem-sucedida flutuação do câmbio que o presidente Fernando Henrique, em boa hora, decidiu promover, contra a opinião daquela mesma elite bem-pensante.


A verdadeira alternativa ao populismo e à continuidade desta política vem, paradoxalmente, do candidato do governo


Enquanto o país e o Estado estiverem pagando -o primeiro, no exterior, e o segundo, internamente e no exterior- uma taxa de juros real em torno de 10%, para um crescimento do PIB de 2% ao ano, a perspectiva é de crise a médio prazo. O fato de que o déficit em conta corrente seja financiado por investimentos externos reduz a gravidade do problema, mas é preciso não esquecer que o encargo para o país, representado pela remessa de dividendos, não é muito diferente daquele embutido nos juros pagos ao exterior.
Já temos uma dívida pública e uma dívida externa que são excessivas em relação ao PIB (e a segunda, absolutamente excessiva em relação às exportações); enquanto os juros reais forem maiores do que a taxa de crescimento, essas duas relações só tenderão a se agravar.
A verdadeira alternativa ao populismo e à continuidade desta política vem, paradoxalmente, do candidato do governo. De José Serra podemos esperar as quatro medidas que, conjuntamente, poderão nos arrancar da rota de crise: o aprofundamento do ajuste fiscal tendendo a zerar o déficit público; a redução gradual e firme da taxa de juros; a permissão para que a taxa de câmbio deslize para cima, mesmo com a probabilidade de um pequeno crescimento temporário da taxa de inflação; e uma política de acordos mais efetiva.
Mas mesmo José Serra poderá fazer pouco se as elites brasileiras, não obstante as vozes discordantes entre elas, continuarem a tampar o sol com a peneira, apostando na simples continuidade macroeconômica. O poder dessa elite já é grande e se torna maior na medida em que se associa à visão burocrática e incompetente do FMI, que não aprendeu com a Argentina. Na verdade, quem quer que seja eleito será pressionado, em nome da "racionalidade econômica" ou da observância estrita da política de metas de inflação, a não mudar nada, ou quase nada, nesse campo.
Seria bom poder contar com o apoio das classes médias, e melhor ainda com o da massa popular, para a nova política necessária. Mas isso é pouco provável. Ninguém gosta de corte adicional de despesa pública. A classe média rejeita os juros altos, mas rejeita igualmente o câmbio realista, um pouco mais desvalorizado, que reduz seus salários. E o povão só sabe que é o maior prejudicado com a semi-estagnação dos últimos 20 anos. Por isso protesta. Mas não tem propostas de solução para o problema.
Para sair da enrascada, entretanto, teremos que contar ou com o apoio da sociedade civil brasileira com suas elites empresariais, burocráticas, intelectuais e jornalísticas, ou então com o espírito republicano de estadista do novo presidente. Seria mais seguro contar com a primeira do que com a segunda alternativa. O ideal é que as duas se somem. Apesar da miopia de nossa classe dirigente e de sua subordinação às idéias vindas de fora, existem nela setores capazes de levá-la a rever posições.
Não logramos ainda a retomada do desenvolvimento porque continuamos fracassando em alcançar a estabilidade macroeconômica. Fizemos avanços dramáticos com o plano Real e a flutuação do real, mas agora patinamos no ajuste fiscal tímido, nos juros altos e no câmbio até há pouco apreciado devido às fortes intervenções do Banco Central.
O atual governo deixará uma bela herança no plano político e social e uma herança modesta no plano econômico. A atual campanha presidencial é uma oportunidade para discutirmos as grandes questões que o país enfrenta.
Neste momento, a própria eleição está sendo uma desculpa para especuladores atacarem o real e, portanto, o Brasil. É hora de cada candidato, de cada cidadão dar sua contribuição, repudiando o alarmismo e a especulação e se dispondo a integrar o debate necessário para que o país, afinal, encontre o caminho da estabilidade.


Luiz Carlos Bresser Pereira, 67, é professor de economia na FGV-SP e de teoria política na USP. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo Fernando Henrique), além de ministro da Fazenda (governo Sarney).



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