São Paulo, quinta-feira, 20 de junho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Crise a médio prazo
LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
Enquanto o país e o Estado estiverem pagando -o primeiro, no exterior, e o segundo, internamente e no exterior- uma taxa de juros real em torno de 10%, para um crescimento do PIB de 2% ao ano, a perspectiva é de crise a médio prazo. O fato de que o déficit em conta corrente seja financiado por investimentos externos reduz a gravidade do problema, mas é preciso não esquecer que o encargo para o país, representado pela remessa de dividendos, não é muito diferente daquele embutido nos juros pagos ao exterior. Já temos uma dívida pública e uma dívida externa que são excessivas em relação ao PIB (e a segunda, absolutamente excessiva em relação às exportações); enquanto os juros reais forem maiores do que a taxa de crescimento, essas duas relações só tenderão a se agravar. A verdadeira alternativa ao populismo e à continuidade desta política vem, paradoxalmente, do candidato do governo. De José Serra podemos esperar as quatro medidas que, conjuntamente, poderão nos arrancar da rota de crise: o aprofundamento do ajuste fiscal tendendo a zerar o déficit público; a redução gradual e firme da taxa de juros; a permissão para que a taxa de câmbio deslize para cima, mesmo com a probabilidade de um pequeno crescimento temporário da taxa de inflação; e uma política de acordos mais efetiva. Mas mesmo José Serra poderá fazer pouco se as elites brasileiras, não obstante as vozes discordantes entre elas, continuarem a tampar o sol com a peneira, apostando na simples continuidade macroeconômica. O poder dessa elite já é grande e se torna maior na medida em que se associa à visão burocrática e incompetente do FMI, que não aprendeu com a Argentina. Na verdade, quem quer que seja eleito será pressionado, em nome da "racionalidade econômica" ou da observância estrita da política de metas de inflação, a não mudar nada, ou quase nada, nesse campo. Seria bom poder contar com o apoio das classes médias, e melhor ainda com o da massa popular, para a nova política necessária. Mas isso é pouco provável. Ninguém gosta de corte adicional de despesa pública. A classe média rejeita os juros altos, mas rejeita igualmente o câmbio realista, um pouco mais desvalorizado, que reduz seus salários. E o povão só sabe que é o maior prejudicado com a semi-estagnação dos últimos 20 anos. Por isso protesta. Mas não tem propostas de solução para o problema. Para sair da enrascada, entretanto, teremos que contar ou com o apoio da sociedade civil brasileira com suas elites empresariais, burocráticas, intelectuais e jornalísticas, ou então com o espírito republicano de estadista do novo presidente. Seria mais seguro contar com a primeira do que com a segunda alternativa. O ideal é que as duas se somem. Apesar da miopia de nossa classe dirigente e de sua subordinação às idéias vindas de fora, existem nela setores capazes de levá-la a rever posições. Não logramos ainda a retomada do desenvolvimento porque continuamos fracassando em alcançar a estabilidade macroeconômica. Fizemos avanços dramáticos com o plano Real e a flutuação do real, mas agora patinamos no ajuste fiscal tímido, nos juros altos e no câmbio até há pouco apreciado devido às fortes intervenções do Banco Central. O atual governo deixará uma bela herança no plano político e social e uma herança modesta no plano econômico. A atual campanha presidencial é uma oportunidade para discutirmos as grandes questões que o país enfrenta. Neste momento, a própria eleição está sendo uma desculpa para especuladores atacarem o real e, portanto, o Brasil. É hora de cada candidato, de cada cidadão dar sua contribuição, repudiando o alarmismo e a especulação e se dispondo a integrar o debate necessário para que o país, afinal, encontre o caminho da estabilidade. Luiz Carlos Bresser Pereira, 67, é professor de economia na FGV-SP e de teoria política na USP. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e da Administração Federal e Reforma do Estado (governo Fernando Henrique), além de ministro da Fazenda (governo Sarney). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Oded Grajew: Trabalho social: remediar ou transformar? Índice |
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