São Paulo, quinta, 20 de agosto de 1998

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A confissão do predador

OTAVIO FRIAS FILHO

Não há muito o que concluir de tudo o que foi publicado sobre o criminoso que a imprensa batizou de "maníaco do parque". A psiquiatria é um ramo incrivelmente atrasado; os pareceres técnicos ora repetem banalidades, ora são contraditórios, ora ventilam hipóteses promissoras, mas impossíveis de provar. Ninguém sabe.
Ouvir o que diz o próprio assassino não esclarece nada, mas dá os contornos do enigma. O que pode levar alguém a fazer aquilo? Na sua edição do dia 13, a "Folha da Tarde" publicou a íntegra da confissão feita cinco dias antes. Não poderia ser diferente, é um relato sinistro, terrível, que muitas pessoas prefeririam não ler.
O tom parece sair das páginas mais sombrias de Dostoiévski, mas acrescido do amontoado de orações coordenadas, ligadas pelo "e", que é próprio do estilo policial e lhe confere às vezes um ritmo estranhamente bíblico. Menos absurda do que parece, a associação lembra os crimes hediondos que pululam no Velho Testamento.
O assassino dá a receita da tão propalada facilidade com que ludibriava mulheres. Por meio de "conversas humildes e sinceras", ele se dispunha a escutar o que a desconhecida tinha a dizer. De acordo com seu próprio testemunho, essa era a chave da sedução quase hipnótica que ele exerceu sobre a maioria das vítimas.
Como parece ser comum nesses casos, também ele menciona a coexistência de um lado "bom" e outro "ruim" na sua personalidade, e descreve longamente o conflito entre ambos, em que ora predomina um, ora o outro. Essas oscilações o levavam a tergiversar durante suas capturas, quando vagava pelo metrô "como um predador".
As hesitações de sua parte parecem ter reforçado a confiança das garotas abordadas, ele não dava mostras de pretender arrastá-las de qualquer modo. A crer em sua versão, algumas das vítimas estavam cientes de que se dirigiam ao parque para "namorar" com ele. A disponibilidade emocional dessas garotas é outro enigma.
Ele é louco? Como pode não ser louco quem fez o que ele fez? É correto que os loucos não sejam, ao menos teoricamente, punidos? No depoimento, ele deseja "consignar que acha importantíssima a manutenção de sua custódia", pois está seguro de que, caso contrário, voltará a matar, tão logo o lado "mau" reassuma.
Na disputa por sua defesa, diz que escolheu o time liderado por uma advogada, "pois achou importante que, depois de ter matado todas aquelas mulheres, uma mulher se dispunha a defendê-lo", advogada a quem pediu desculpas extensivas ao gênero feminino. E contou a famosa história da tia que o teria molestado na infância.
Estamos acostumados a atribuir a prática de crimes a fatores sociais. Com a falência da sociologia, essa concepção entrou em crise, e recrudescem as explicações de base genética ou bioquímica. Os culpados estão voltando a ser culpados. Mas em casos tão extremos como este não há ciência, nem moral, talvez nem religião.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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