São Paulo, quarta-feira, 20 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

São Paulo, cidade limpa

GILBERTO KASSAB

Está no âmago da nossa proposta algo ousado, mas perfeitamente alcançável: queremos voltar a ter uma São Paulo limpa

A CÂMARA Municipal de São Paulo aprovou em primeira votação o projeto de lei contra a poluição visual, chamado "Cidade Limpa". É um sinal alvissareiro de que o Legislativo captou o clamor popular por um basta à publicidade exterior, que, na prática, usurpa a paisagem urbana, "privatiza" um bem coletivo cada vez mais raro.
Nas últimas décadas, São Paulo foi sendo tomada, às vezes até em nome do "progresso", por uma epidemia de outdoors, back-lights, painéis eletrônicos, faixas, cartazes e placas de identificação de estabelecimentos comerciais. A essa forma de "publicidade selvagem", que esconde a cidade e agride o ambiente, contrapomos um argumento singelo: a paisagem da cidade não é meio nem veículo de comunicação publicitária.
Os defensores da manutenção da mídia exterior se equivocam ao atacar nossa iniciativa de maneira simplista, recusando-se a admitir a motivação mais alta e de longo prazo contida no projeto do Executivo. Está no âmago da nossa proposta algo ousado, mas perfeitamente alcançável: queremos voltar a ter uma São Paulo limpa.
A beleza de uma cidade está, essencialmente, naquilo que as pessoas que a habitam construíram no local onde ela foi fundada. O lugar estava ali desde sempre, e, ali, os pioneiros criaram uma aldeia, depois, uma vila, até que, finalmente, as sucessivas gerações ergueram uma cidade. Tomemos o exemplo mais conhecido por nós: o Rio de Janeiro. Essa cidade maravilhosa se formou em um sítio de deslumbrante beleza, onde o contraponto do mar com as montanhas gera um dos lugares mais bonitos do mundo.
São Paulo, ao contrário, nasceu e cresceu em local marcado por encantos naturais mais discretos. Os únicos acidentes geográficos capazes de contribuir com beleza para a sua paisagem são os seus rios e uma modesta elevação, o pico do Jaraguá. De resto, a topografia paulistana oferece apenas a amplidão do planalto.
Neste sítio, erguemos uma cidade portentosa, obra de paulistas, de brasileiros de todo o país e de imigrantes de todos os continentes. São Paulo é obra do homem, fruto da determinação, da inteligência e do trabalho, expressão da energia coletiva.
Em nome do progresso, instalaram-se aqui alguns paradoxos, muitos deles de pé até hoje. O advento da luz elétrica, por exemplo, submeteu a cidade à primeira agressão urbana de que foi vítima, representada por milhares de postes para sustentar outros milhares de quilômetros de fios. Hoje a cidade se esforça para enterrar essa feia herança do passado.
A segunda agressão, facilitada pela omissão do poder municipal, foi a ocupação desordenada do espaço territorial. Na segunda década do século passado, os códigos vigentes impunham normas aos loteadores, mas poucos bairros seguiram as exigências. Essas áreas, como os jardins Europa e América, Pacaembu, Alto da Lapa e Alto de Pinheiros, são exemplos de como poderia ser a cidade inteira se a lei tivesse sido respeitada.
No século 20, assistiu-se indiferente ao crescimento desordenado do traçado urbano. O que restou a esta cidade como possibilidade de embelezamento foi o mobiliário urbano, na sua acepção mais ampla. Transformá-lo e mantê-lo bonito, limpo, agradável e seguro, de modo a permitir um bom usufruto pelos cidadãos, é obrigação da prefeitura. Enquanto estivermos à frente dessa responsabilidade, vamos cumprir a missão com rigor.
O "Cidade Limpa" é um basta à primeira das poluições que historicamente agridem São Paulo. É uma conclamação a todos os que amam esta cidade e querem defendê-la e torná-la bela. Já temos avançado também no combate à poluição sonora e, logo, vamos lançar ações paradigmáticas contra a poluição ambiental.
Os defensores da poluição visual a defendem como um "mal necessário", como fatalidade a condenar todo grande centro urbano. Não é o que vemos ocorrer, por exemplo, em Nova York, onde painéis eletrônicos se limitam à Times Square, ou em Barcelona, que adotou uma tolerância zero que é referência a arquitetos e urbanistas de todo o mundo.
A alternativa ao "mal necessário" é o bem imprescindível representado pela defesa desse patrimônio público intangível -o ambiente urbano respeitado, preservado da apropriação predatória do interesse particular.
Por isso, acredito que a Câmara Municipal, sempre consciente de suas responsabilidades, aprovará logo, em segunda e definitiva votação, o projeto "Cidade Limpa". Será um marco na história de São Paulo, um exemplo para todas as grandes metrópoles do mundo. Será, sobretudo, o início de um novo tempo, o tempo de uma São Paulo defendida, altiva e bela.


GILBERTO KASSAB, 46, engenheiro e economista, é o prefeito de São Paulo. Foi deputado federal (1999-2004) e estadual (1995-1998), vereador (1993-1994) e secretário municipal de Planejamento (1997-1998).

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