|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
São Paulo, cidade limpa
GILBERTO KASSAB
Está no âmago da nossa proposta algo ousado, mas perfeitamente alcançável: queremos voltar a ter uma São Paulo limpa
A CÂMARA Municipal de São
Paulo aprovou em primeira
votação o projeto de lei contra
a poluição visual, chamado "Cidade
Limpa". É um sinal alvissareiro de
que o Legislativo captou o clamor popular por um basta à publicidade exterior, que, na prática, usurpa a paisagem urbana, "privatiza" um bem coletivo cada vez mais raro.
Nas últimas décadas, São Paulo foi
sendo tomada, às vezes até em nome
do "progresso", por uma epidemia de
outdoors, back-lights, painéis eletrônicos, faixas, cartazes e placas de
identificação de estabelecimentos comerciais. A essa forma de "publicidade selvagem", que esconde a cidade e
agride o ambiente, contrapomos um
argumento singelo: a paisagem da cidade não é meio nem veículo de comunicação publicitária.
Os defensores da manutenção da
mídia exterior se equivocam ao atacar
nossa iniciativa de maneira simplista,
recusando-se a admitir a motivação
mais alta e de longo prazo contida no
projeto do Executivo. Está no âmago
da nossa proposta algo ousado, mas
perfeitamente alcançável: queremos
voltar a ter uma São Paulo limpa.
A beleza de uma cidade está, essencialmente, naquilo que as pessoas que
a habitam construíram no local onde
ela foi fundada. O lugar estava ali desde sempre, e, ali, os pioneiros criaram
uma aldeia, depois, uma vila, até que,
finalmente, as sucessivas gerações ergueram uma cidade. Tomemos o
exemplo mais conhecido por nós: o
Rio de Janeiro. Essa cidade maravilhosa se formou em um sítio de deslumbrante beleza, onde o contraponto do mar com as montanhas gera um
dos lugares mais bonitos do mundo.
São Paulo, ao contrário, nasceu e
cresceu em local marcado por encantos naturais mais discretos. Os únicos
acidentes geográficos capazes de contribuir com beleza para a sua paisagem são os seus rios e uma modesta
elevação, o pico do Jaraguá. De resto,
a topografia paulistana oferece apenas a amplidão do planalto.
Neste sítio, erguemos uma cidade
portentosa, obra de paulistas, de brasileiros de todo o país e de imigrantes
de todos os continentes. São Paulo é
obra do homem, fruto da determinação, da inteligência e do trabalho, expressão da energia coletiva.
Em nome do progresso, instalaram-se aqui alguns paradoxos, muitos deles de pé até hoje. O advento da
luz elétrica, por exemplo, submeteu a
cidade à primeira agressão urbana de
que foi vítima, representada por milhares de postes para sustentar outros milhares de quilômetros de fios.
Hoje a cidade se esforça para enterrar
essa feia herança do passado.
A segunda agressão, facilitada pela
omissão do poder municipal, foi a
ocupação desordenada do espaço territorial. Na segunda década do século
passado, os códigos vigentes impunham normas aos loteadores, mas
poucos bairros seguiram as exigências. Essas áreas, como os jardins Europa e América, Pacaembu, Alto da
Lapa e Alto de Pinheiros, são exemplos de como poderia ser a cidade inteira se a lei tivesse sido respeitada.
No século 20, assistiu-se indiferente ao crescimento desordenado do
traçado urbano. O que restou a esta
cidade como possibilidade de embelezamento foi o mobiliário urbano, na
sua acepção mais ampla. Transformá-lo e mantê-lo bonito, limpo, agradável
e seguro, de modo a permitir um bom
usufruto pelos cidadãos, é obrigação
da prefeitura. Enquanto estivermos à
frente dessa responsabilidade, vamos
cumprir a missão com rigor.
O "Cidade Limpa" é um basta à primeira das poluições que historicamente agridem São Paulo. É uma
conclamação a todos os que amam esta cidade e querem defendê-la e torná-la bela. Já temos avançado também no combate à poluição sonora e,
logo, vamos lançar ações paradigmáticas contra a poluição ambiental.
Os defensores da poluição visual a
defendem como um "mal necessário", como fatalidade a condenar todo
grande centro urbano. Não é o que vemos ocorrer, por exemplo, em Nova
York, onde painéis eletrônicos se limitam à Times Square, ou em Barcelona, que adotou uma tolerância zero
que é referência a arquitetos e urbanistas de todo o mundo.
A alternativa ao "mal necessário" é
o bem imprescindível representado
pela defesa desse patrimônio público
intangível -o ambiente urbano respeitado, preservado da apropriação
predatória do interesse particular.
Por isso, acredito que a Câmara
Municipal, sempre consciente de
suas responsabilidades, aprovará logo, em segunda e definitiva votação, o
projeto "Cidade Limpa". Será um
marco na história de São Paulo, um
exemplo para todas as grandes metrópoles do mundo. Será, sobretudo,
o início de um novo tempo, o tempo
de uma São Paulo defendida, altiva e
bela.
GILBERTO KASSAB, 46, engenheiro e economista, é o
prefeito de São Paulo. Foi deputado federal (1999-2004) e
estadual (1995-1998), vereador (1993-1994) e secretário
municipal de Planejamento (1997-1998).
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Luiz Augusto Caldas, Joaquim Rufino Neto e Genival Alves Azeredo: FHC e as escolas técnicas
Índice
|