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A QUESTÃO NUCLEAR
Ao que parece, caminha para
uma solução negociada a queda-de-braço entre o governo brasileiro e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a respeito das
inspeções na usina de enriquecimento de urânio de Resende (RJ). As autoridades brasileiras se comprometeriam a revelar um pouco mais das
instalações, e a agência deixaria de
exigir o "acesso irrestrito" como vinha fazendo até agora.
O compromisso parece ser a melhor maneira de desarmar o impasse,
mas é preciso consignar que o Brasil
não está nem legal nem moralmente
obrigado a abrir Resende à devassa
da AIEA. Embora o país seja signatário do Tratado de Não-Proliferação
Nuclear (TNP), não o é do Protocolo
Adicional ao acordo, que prevê vistorias irrestritas e intempestivas.
O argumento brandido pelo governo brasileiro de que está protegendo
segredos industriais na área de ultracentrifugação é defensável, mas não
vai muito longe. Resende não encerra nenhuma revolução tecnológica e,
se alguma potência quisesse de fato
descobrir detalhes do sistema -se é
que já não o fez-, teria vários outros
caminhos para seguir.
No mais, a preocupação que alguns países possam ter com a eventual utilização bélica do enriquecimento do urânio pelo Brasil não se
justifica. A Constituição só permite a
utilização da energia nuclear para
fins pacíficos e não se sustenta a
idéia fantasiosa de que o país seria
uma potencial ameaça nuclear.
Desde que em decisão soberana, o
Brasil poderia perfeitamente subscrever o Protocolo Adicional. Para assiná-lo, contudo, seria razoável cobrar contrapartidas de outros países,
notadamente daqueles que fazem
parte do restrito grupo de membros
nucleares do TNP.
Esse acordo é marcado por assimetrias que precisam ser mais bem discutidas. Por que apenas EUA, Rússia, Reino Unido, França e China deveriam ter o direito de possuir armas
atômicas? É claro que quanto menos
países mantiverem bombas nucleares melhor para o mundo, pois se reduzem os riscos de que esses artefatos sejam utilizados proposital ou
inopinadamente. Mas esse raciocínio pragmático não deve de modo algum legitimar o fosso jurídico que o
TNP pretende eternizar ao estabelecer duas categorias de nação -as detentoras de armas e as que jamais poderiam desenvolvê-las.
O desfile de hipocrisias nas adjacências do tratado se agrava quando
se consideram os países que mantêm a bomba extra-oficialmente: Israel, Índia e Paquistão, que jamais
aderiram ao acordo. Por que os EUA
e seus aliados pressionam o Irã para
encerrar o seu programa nuclear e ignoram os artefatos israelenses? Por
que ameaçam a Coréia do Norte, que
se retirou do TNP, o que, em tese, lhe
dá o direito de possuir armas, e não
demonstram o mesmo empenho
nos casos da Índia e do Paquistão?
O Brasil, como um país pacífico,
deve permanecer no TNP. É preciso,
porém, vincular a assinatura do Protocolo Adicional a avanços concretos
nos objetivos de desarmamento, como a definição de um cronograma
para o desmantelamento dos arsenais nucleares. A existência de duas
categorias de países -alguns com
direito a armas e outros sem- só
pode ser admitida como excepcional
e transitória, jamais como definitiva.
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