São Paulo, sábado, 20 de outubro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Congresso Nacional deve aprovar a entrada da Venezuela no Mercosul?

SIM

Muitas vantagens e uma responsabilidade

FABIANO SANTOS

TRAMITA NO Congresso Nacional mensagem presidencial oriunda do protocolo de adesão a partir do qual o Executivo fica autorizado a negociar prazos e condições sob a égide dos quais a Venezuela passará a ser país-membro pleno do Mercosul. Como em qualquer questão de política externa, ao Congresso é demandada uma delegação para que o governo, dentro de certos parâmetros e diretrizes e tendo em vista os mais profundos interesses nacionais, estabeleça acordos com outras nações a respeito de questões comerciais, econômicas, culturais etc.
É difícil fugir à conclusão de que se trata de excelente negócio para a economia brasileira. Nossos vizinhos venezuelanos são compradores de produtos e serviços de empresas brasileiras com alto valor agregado. Além disso, a Venezuela é uma enorme potência energética. Em tempos de resolução de gargalos de infra-estrutura, não é recomendável desconsiderar nenhuma possibilidade de expansão da capacidade brasileira e de nações irmãs de gerar e distribuir energia.
Finalmente, o ingresso da Venezuela tem a enorme vantagem de permitir que imensas regiões do Brasil, como o Norte e o Nordeste, conheçam as vantagens de participar de um mercado comum no continente.
O Mercosul é uma ótima idéia, mas é ainda uma realidade vivida apenas pelos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste de nosso país. Os argumentos contrários à aprovação da mensagem são na maioria das vezes puramente ideológicos e, embora controversos, até têm sua razão de ser. São, contudo, irrelevantes para a matéria em discussão.
Algumas intervenções chamam a atenção para o fato de que o grupo de trabalho "ad hoc" constituído para definição de prazos e condições de adoção pela Venezuela do enquadramento normativo no Mercosul não teria concluído seu trabalho e que isso impediria a tramitação da matéria em nosso Legislativo. Argumento meritório, sem dúvida, mas que não passa de filigrana jurídica.
Ora, na mesma decisão do Mercosul que regulamenta a adesão de novos membros (decisão 28/05), encontra-se artigo que afirma não ser tal decisão um documento legal de aplicação imediata ao arcabouço jurídico dos países-membros. Além disso, cronogramas e prazos, bem como o compromisso da Venezuela de aderir aos termos regulamentares do Mercosul, estão devidamente assinalados na mensagem presidencial.
Trata-se, portanto, de questão política, e como tal deve ser tratada. O ponto é: tem o Ministério das Relações Exteriores expertise e espírito público para a condução do processo de integração desse país ao mercado comum? O Itamaraty talvez seja a melhor e mais bem preparada burocracia pública do país, dotada de autonomia e continuidade institucional adequadas ao atendimento do interesse nacional.
Além disso, o Congresso possui instrumentos, tais como as audiências públicas e a prestação de contas, para recuperar a delegação concedida no momento em que sejam identificados eventuais prejuízos decorrentes da política pública em questão.
Por último, vale a pena refletir sobre o significado de uma eventual decisão contrária do Congresso Nacional com relação à mensagem.
O efeito não seria só um convite para que a Venezuela volte as costas para a América do Sul e retorne à condição de país caribenho. Seria também uma agressão aos princípios norteadores da diplomacia parlamentar estabelecidos pela Constituição de 88. O desiderato inscrito em nossa Carta Magna é muito claro: devemos lutar para construir um continente integrado política, econômica e culturalmente. O Brasil, por suas dimensões e história, tem um papel de liderança a exercer nesse processo -esse é seu destino e sua oportunidade para fazer expandir nossa economia e tornar nossa sociedade mais justa. Abrir mão dessa responsabilidade em nome de antipatias e fanfarronices dos governantes de ocasião não parece ser a opção mais inteligente nem a que representa a amadurecida condução de política pública tão crucial.


FABIANO GUILHERME MENDES DOS SANTOS, 43, doutor em ciência política, é professor do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso Nacional desse instituto.

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