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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem-se criar salas para o uso de drogas?
SIM
Narcossalas e novos rumos
WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH
Durante anos o principal foco
sobre o fenômeno das drogas proibidas era colocado na distinção entre
países de oferta e de consumo. Hoje o
enfoque é outro, a revelar posições inconciliáveis entre os conservadores das
convenções da ONU e os progressistas
reformistas. Os últimos reagem à intolerância dos conservadores com os usuários de drogas ilícitas e apóiam uma volta às políticas nacionais, ou seja, o abandono das convenções da ONU.
Nas convenções das Nações Unidas,
os Estados de elevada demanda, localizados no Primeiro Mundo, ditaram as
políticas para os do Terceiro Mundo,
considerados produtores de drogas naturais e responsáveis pela sua oferta planetária. Assim, prevaleceram posturas
de matriz colonialista, bem como os interesses hegemônicos, sustentados no
truísmo -jamais invertido- de que
sem oferta não haveria consumo.
Exemplo disso foi a Convenção de
Nova York, realizada em 1961, de inspiração norte-americana e ainda em vigor. Ela adotou a linha da proibição, da militarização e da criminalização, considerando traficantes e usuários como
delinqüentes. Essa convenção estabeleceu o prazo de 25 anos para a erradicação dos cultivos proibidos. Para garantir seu cumprimento, foi criado o International Narcotics Control Board
(INCB), que denunciou a Alemanha pelo fato de sua lei nacional permitir as
"safe injection rooms".
Com efeito, o largamente experimentado modelo conservador continua a
produzir mais vítimas do que resultados. Um bom exemplo disso foi a última eleição nos EUA. Cerca de 1 milhão de cidadãos, com penas já cumpridas,
trabalhando e recolhendo impostos,
não puderam escolher entre George W.
Bush e John Kerry porque tinham sido
condenados por delitos não-violentos,
relacionados às drogas. Em outras palavras, nos EUA, um cigarro de maconha
pode cassar o direito à cidadania.
Além disso, o modelo gerou países
com economia e PIB dependentes das
drogas proibidas. Desde a Assembléia
Especial da ONU de 1998, temos nítidos
dois lados: países conservadores (EUA,
Japão, Suécia, Dinamarca, Brasil etc.) e
Estados progressistas (Alemanha, Bélgica, Holanda, Suíça, Canadá etc.). O lado progressista implementou práticas sociossanitárias de sucesso, todas voltadas a reduzir danos. As narcossalas integram essas práticas, pois, além de locais
seguros, oferecem programas de emprego, informações e assistência médica
permanente.
O modelo europeu considerado de
sucesso foi o implantado em Frankfurt,
na Alemanha, em 1994, quando a cidade
tinha cerca de 6.000 dependentes químicos. E até a Suíça trocou as praças pelos ambientes fechados e controlados.
Em Frankfurt, o número de usuários e
dependentes caiu pela metade até 2003.
Além disso, outras oito cidades alemãs
adotaram as salas seguras. Os hospitais
e os postos de saúde, antes das narcossalas, atendiam 15 casos graves por dia,
com um custo estimado de 350 por
intervenção. Tais resultados inspiraram
a Espanha, que realiza experiências com
as salas seguras.
O sistema alemão oferece acolhida aos
que vivem marginalizados e em péssimas condições de saúde e econômicas.
Foi, sem dúvida, uma forma de aproximação, incluindo cuidados médicos, informações úteis e ofertas de formação profissional e trabalho. Com isso, o uso
de drogas injetáveis despencou 50%.
Reduziram-se também significativamente os casos de Aids e outras patologias correlatas ao consumo de drogas proibidas. Vale destacar ainda que, entre os usuários que ingressaram nos
programas de narcossalas, caiu o índice
de mortalidade em virtude da melhora
da qualidade de vida. Por sua vez, as
mortes por overdose também baixaram, tendo o mesmo sucedido, no campo da microcriminalidade, com os delitos relacionadas ao consumo de drogas.
A experiência de Frankfurt serviu para afastar a tese de que as narcossalas
poderiam estimular os jovens a ingressar no mundo das drogas. Pesquisas
realizadas por autoridades sanitárias
demonstraram que os jovens de idade
entre 15 e 18 anos da cidade não partiram para o uso de heroína ou cocaína e
que menos de 1% nunca provou uma
dessas drogas na vida. Um levantamento epidemiológico revelou o aumento
na idade do consumidor: subiu para entre 30 e 34 anos.
As narcossalas, nos lugares onde foram implantadas, deram certo não só
em relação à redução da demanda, mas
também pela contribuição positiva
quanto aos aspectos e práticas humanos, solidários e de reinserção social. Na
Alemanha, as federações do comércio e
da indústria apoiaram com cerca de 1
milhão os programas das narcossalas.
Como alertou o professor Uwe Kemmesies, da Universidade de Frankfurt,
"podemos reconhecer que a oferta de
salas seguras para o consumo de drogas
melhorou a expectativa e a qualidade de
vida de muitos toxicodependentes que
não desejam ou não conseguem abandonar as substâncias".
Wálter Fanganiello Maierovitch, 57, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais Giovanne Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).
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