São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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JUROS E ESFORÇO FISCAL

Desde o início do atual governo, os responsáveis pela política econômica vêm enfatizando a necessidade de reduzir o peso da dívida pública em relação ao PIB como condição para diminuir a taxa de juros real e acelerar o crescimento da economia. Essa argumentação voltou à cena com a proposição, pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, de um ambicioso programa de ajuste fiscal com horizonte de até dez anos.
O programa esboçado, que gerou celeumas e serviu de pretexto para a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, atacar a política econômica, centra-se na manutenção de elevados superávits primários; na ampliação da desvinculação de receitas, de modo a reduzir a destinação obrigatória da arrecadação para determinadas atividades, como educação e saúde; e numa contração progressiva das despesas correntes, como custeio, Previdência e programas sociais.
As moedas de troca incluídas na proposta seriam uma lenta redução da alíquota da CPMF -apenas a partir de 2009 ou 2010- e a promessa de aumentar expressivamente os investimentos públicos.
O plano, embora traga aspectos duvidosos, faz sentido dentro das opções da atual equipe econômica. Mas é difícil que no atual quadro encontre espaço político para prosperar. Mas as dificuldades políticas que o cercam não afastam de cena a discussão acerca da relação entre o desempenho fiscal e os juros à luz da experiência recente.
A relação dívida pública/PIB situa-se hoje na faixa de 51% a 52%, bastante próxima dos níveis que o Ministério da Fazenda projetou em documento de abril de 2003 intitulado "Política econômica e reformas estruturais". O importante a se observar é que essas projeções trabalhavam com um crescimento da economia entre 2003 e 2005 similar ao que se está verificando (perto de 3% ao ano, em média), mas a evolução efetiva dos demais fatores se mostrou bastante diversa da estimada.
A suposição era que os superávits primários anuais ficassem em 4,25% do PIB, mas eles foram um pouco maiores. Já a previsão de câmbio relativamente estável, numa faixa superior a R$ 3 por dólar, contrastou vivamente com a forte valorização do real. Isso aconteceu, em parte, em razão de um "choque externo" favorável, ou seja, a alta das cotações internacionais de algumas commodities exportadas pelo Brasil, que contribuiu decisivamente para um grande salto do superávit comercial.
Outro desencontro com a realidade foi a projeção de juros reais cadentes, chegando a 8% ao ano em 2005 -hipótese que o documento considerava "pessimista". Na prática, tivemos uma trajetória de alta dos juros básicos, que atingiram a faixa de 13% em termos reais (descontada a inflação).
Tanto o superávit primário mais alto como o câmbio mais baixo apontariam para uma redução mais rápida da relação dívida/PIB do que aquela que se observou. O fato de essa relação não ter tido redução maior deveu-se exclusivamente ao nível exorbitante da taxa de juros.
Esses dados indicam que, independentemente do plano agora proposto, já teria sido possível combinar de modo mais racional o esforço de ajuste de gastos e receitas públicas com a fixação da taxa de juros de modo a evitar excessiva apreciação do câmbio, propiciar maior crescimento da economia e reduzir mais rapidamente o fardo do endividamento público.


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