São Paulo, domingo, 20 de novembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Ministério Público e a igualdade racial

RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO

A luta pela sobrevivência do quilombo dos Palmares, que existiu por cerca de 140 anos e chegou a se espraiar por 11 mocambos em uma área com aproximadamente 350 km quadrados, em terras dos Estados de Pernambuco e Alagoas, constitui, inegavelmente, uma das passagens mais importantes da história do povo brasileiro.


Os afrodescendentes eram, em 1999, 45% da população brasileira, mas 64% dos pobres e 69% dos indigentes


No dia 6 de fevereiro de 1695, as milícias do bandeirante Domingos Jorge Velho, chamadas pelo governo colonial para dar cabo do quilombo, finalmente conseguiram -passados mais de 65 anos de resistência- derrotar a defesa de Palmares. Zumbi, líder político e militar dos palmarinos, embrenhou-se, então, nas matas próximas ao território quilombola, a fim de prosseguir nos combates.
A heróica trajetória de Zumbi teve fim no dia 20 de novembro de 1695, quando a sua localização veio a ser revelada, sob tortura, por um ex-auxiliar. Preso, Zumbi foi decapitado, e a sua cabeça, colocada numa estaca, ficou exposta na principal praça do Recife. A data da sua morte foi, justificadamente, escolhida para que nela se comemorasse o Dia Nacional da Consciência Negra.
A celebração desse dia deve nos remeter à lembrança dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, inseridos na regra do artigo terceiro da Constituição Federal: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Os brasileiros afrodescendentes ainda sofrem, no limiar do século 21, os efeitos de um inaceitável quadro de injustiça social e econômica. Por meio de estudo divulgado em julho de 2001, de Ricardo Henriques, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, denominado "Desigualdade Racial no Brasil: Evolução das Condições de Vida na Década de 90", tem-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, de 1999 (realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a apontar que 34% dos brasileiros viviam em famílias com renda inferior à linha de pobreza (53 milhões de pobres), e 14%, em famílias com renda inferior à linha de indigência (22 milhões de indigentes). No entanto, os afrodescendentes, que em 1999 representavam 45% da população brasileira, correspondiam a 64% da população pobre e a 69% da população indigente. Esses números falam por si.
Fiel à missão que a Constituição Federal lhe fixou, não pode o Ministério Público, por certo, ficar indiferente a essa perturbadora realidade, em face da evidência de que não seremos uma verdadeira democracia social enquanto parcela expressiva dos brasileiros for privada do exercício de direitos elementares.
Todos temos consciência de que o processo de inclusão social e de aperfeiçoamento das relações entre instituições e cidadãos exigirá, do Poder Legislativo, um esforço de modernização da ordem jurídica. Leis como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Cidade, apenas para citar alguns exemplos, são ferramentas que têm contribuído decisivamente para a redução das injustiças.
O Ministério Público do Estado de São Paulo, por meio de sua atuação, tem deixado bem claro o seu inarredável compromisso com a causa da construção do Estado democrático de Direito e com a luta contra a exclusão social, entendendo que excluídos sociais não são somente os pobres mas também aqueles que, em razão de fatores como o sexo ou a orientação sexual, a idade, a cor, a origem ou a etnia, sofrem os efeitos de quaisquer formas de discriminação ou de preconceito.
Nessa linha de ação, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo realizou, em agosto deste ano, um simpósio para discutir a igualdade racial. Participaram, dentre ilustres convidados, o senador Paulo Paim e o secretário da Justiça e Defesa da Cidadania de São Paulo, Hédio Silva Júnior. No encontro, foram debatidos temas como o Estatuto da Igualdade Racial, as ações afirmativas e a política de cotas nas universidades.
A instituição vem dedicando, ainda, grande esforço no combate aos crimes de racismo, inclusive aqueles praticados em meios como a internet. Além disso, em conjunto com a Fazenda estadual e com a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo, o Ministério Público paulista propôs ação civil pública na defesa dos remanescentes de quilombos em Caçandoca, na cidade litorânea de Ubatuba, visando à proteção da posse de terras pelos descendentes de quilombolas e à preservação do patrimônio histórico.
Muito há ainda para ser feito. Entretanto, o Ministério Público do Estado tem dado passos firmes na trilha que leva o país para uma sociedade mais justa, fazendo-o na certeza de que esse é o desejo do povo de São Paulo e do Brasil.
No Dia Nacional da Consciência Negra, a Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo deseja aos nossos irmãos afrodescendentes que o espírito jamais vencido de Zumbi ilumine a sua luta pela conquista de todos os direitos que são atributos da cidadania exercida na plenitude.

Rodrigo César Rebello Pinho, 49, é o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo.


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