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São Paulo, terça-feira, 21 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Demissão imotivada: multar ou proibir?

HÉLIO ZYLBERSTAJN

Muitos sindicalistas e trabalhadores consideram o FGTS uma espécie de tabu e se recusam a discutir seu aprimoramento. Por outro lado, muitos empresários pensam que "é caro demitir" e gostariam de reduzir esse custo. É um assunto polêmico, e, por essa razão, considero a recente manifestação do ministro Jaques Wagner muito corajosa. O ministro criticou a multa de 50% dos depósitos do FGTS e propôs que se examinem alternativas para proteger os trabalhadores na demissão.
Nessa questão, o Brasil é quase um caso isolado, uma exceção. Poucos países permitem a demissão sem justa causa, mas nossa legislação abriga essa possibilidade e autoriza as empresas a demitir -mesmo que não haja motivo. A maioria dos países segue a regra estabelecida pela convenção 158 da OIT, que proíbe a demissão sem justa causa nas relações de emprego permanentes.
Proibir a demissão sem justa causa não é equivalente a conceder estabilidade no emprego. A própria convenção 158 prevê que a demissão pode ocorrer desde que haja motivo. O que constituiria, então, um motivo para demitir?
O motivo pode ser recessão econômica, dificuldades da empresa ou adoção de uma inovação tecnológica que reduz a quantidade de trabalhadores necessários na empresa. Estes motivos justificam demissões coletivas. São também aceitos motivos para demissões individuais, tais como insuficiência de desempenho, absenteísmo exagerado ou indisciplina. Restringir o poder da empresa de demitir seus empregados não implica, portanto, proibi-la de promover ajustes no seu quadro ou de substituir empregados. Ela pode ajustar, mas tem de haver uma razão, uma justa causa.
A proibição da demissão sem justa causa tende a aumentar a duração do vínculo de emprego e a reduzir a rotatividade da mão-de-obra. Muitas pessoas pensam que, com mais segurança no emprego, o trabalhador se acomoda e diminui sua produtividade, mas isso não é necessariamente verdadeiro. Basta lembrar que, no Japão, nas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a produtividade do trabalho cresceu a taxas enormes ao mesmo tempo em que as empresas praticavam o emprego vitalício. O exemplo japonês (e de muitos outros países) mostra que é perfeitamente possível combinar produtividade com relações de emprego mais estáveis.


A maioria dos países segue a regra da OIT, que proíbe a demissão sem justa causa nas relações de emprego permanentes


A convenção 158 da OIT admite também a existência do vínculo de emprego de curta duração, e essa característica justifica o desligamento ao término da atividade prevista. Esses vínculos são típicos da construção civil, da agricultura e dos contratos a prazo determinado em geral. Nesses casos, não tem sentido impedir que a empresa demita, já que a intermitência do trabalho é uma característica da atividade. Não há muito sentido também em obrigar a empresa a indenizar seus trabalhadores temporários, uma vez que a curta duração do vínculo era parte do contrato -desde o início.
É possível construir arranjos interessantes para os dois lados, em cada situação específica. Por exemplo, em troca da proibição de demitir sem justa causa, as empresas poderiam utilizar estruturas de cargos flexíveis e genéricos. Dessa forma, a menor liberdade na demissão seria compensada pela maior liberdade na alocação dos trabalhadores. Outro exemplo: nos contratos de curta duração, a empresa pagaria uma alíquota maior na tarifa do seguro-desemprego, como forma de compensar a sociedade pela rotatividade da mão-de-obra que está causando.
Hoje, no Brasil, existe apenas uma regra: a empresa demite sem justa causa, e o trabalhador recebe uma indenização proporcional ao seu FGTS. Talvez seja uma boa regra, para alguns casos, mas, com certeza, não é a melhor regra para todos os casos. Seria exagerado dizer que a combinação da liberdade de demitir com a multa do FGTS incentiva a rotatividade. Mas não se pode negar que essa combinação inibe o estabelecimento de regras melhores. O resultado é que, em um mercado de trabalho heterogêneo, complexo e enorme, como o nosso, todos os vínculos de emprego ficam reduzidos à mesma condição. Se, por outro lado, regulamentássemos a demissão, nos moldes da convenção 158 da OIT, permitiríamos que empresas e trabalhadores negociassem arranjos mais adequados para cada caso.
Proibir a demissão imotivada e rever o funcionamento do FGTS ou permiti-la e multar quando ela ocorre. As opções merecem ser incluídas na discussão da reforma trabalhista que se avizinha.

Hélio Zylberstajn, 57, é professor da FEA/USP e pesquisador da FIPE, onde coordena do Programa Mediar - Informações para a mediação estratégica entre trabalho e capital.


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