São Paulo, quarta-feira, 21 de janeiro de 2004

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IGOR GIELOW

O outro mundo

BRASÍLIA - No brilhante "Adeus, Lênin", filme do alemão Wolfgang Becker que é sucesso em vários países, um filho monta um teatro para que sua mãe, uma socialista convicta recém-saída do coma, não descubra que a Alemanha Oriental acabou e não tenha um colapso fatal. De potes de geléia antigos a telejornais gravados com um amigo dando versões mirabolantes da realidade, o rapaz é bem-sucedido na farsa e cria um mundo ideal para a mãe doente. O paralelo com Mumbai, onde acaba hoje o 4º Fórum Social Mundial, é irresistível. O clima geral é de surrealismo, uma versão carnavalesca e terceiro-mundista da pantomima encenada em "Adeus, Lênin". Pérola do brasileiro Oded Grajew, ex-assessor do presidente Lula e um dos idealizadores do evento, publicada ontem no "Globo": "A invasão do Iraque nós não conseguimos evitar, mas a próxima vamos evitar". Tremei, império. Tem de tudo, inclusive gente e discussão sérias. Uma pena, pois, a folclorização. Mas a interessante idéia original do fórum, de uma antítese intelectualizada e propositiva à reunião dos ricos em Davos, foi para o espaço. O "outro mundo possível" propugnado está mais para a Alemanha Oriental de mentirinha do telejornal "fake" do filme de Becker.

 

Finalmente um tema jogado em discussão pelo governo gerou algo mais que espuma. A questão do planejamento familiar, levantada pela ministra Emília Fernandes ao propor sua inclusão como contrapartida do Bolsa-Família, parece ter entrado na pauta de agentes públicos. Agora, discute-se no Rio a conveniência ou não de dar anticoncepcionais a menores sem a anuência dos pais.
Está mais do que na hora de qualificar essas discussões e outras importantes na área da saúde pública, como a legalização do aborto. Difícil é saber se, no Brasil, país infectado pelo atraso do antigo conservadorismo católico e do novo reacionarismo dos neopentecostais, os políticos terão coragem de ir em frente no debate. Ainda mais em ano eleitoral.


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