São Paulo, quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

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Palanquismo vazio

Ao mesmo tempo em que fogem do debate, candidatos usam recursos públicos para antecipar campanha

NÃO EXISTE , por parte do presidente da República, mais nenhuma preocupação de manter, nem mesmo nas aparências, a compostura no que se refere ao processo eleitoral e à sua própria sucessão. Espera-se de um chefe de Estado, se não um comportamento exemplar, que demonstre em suas ações ao menos zelo pelo dinheiro público e respeito institucional pelo cargo.
Nada disso está presente nas cenas, cada vez mais rotineiras, em que Luiz Inácio Lula da Silva surge fazendo propaganda país afora com a ministra Dilma Rousseff a tiracolo. A pretexto de inaugurar obras, o que há, na verdade, é a legitimação de uma espécie de palanquismo itinerante patrocinado pelo contribuinte.
Tais abusos de campanha antecipada se valem de brechas na legislação, incapaz de conter o uso da máquina pública e a propaganda antes que o processo eleitoral seja oficializado.
Estão previstas até o fim de fevereiro nada menos que 11 inaugurações em sete Estados com as participações do presidente e da chefe da Casa Civil. Anteontem, por exemplo, Lula e Dilma estavam novamente juntos no interior de Minas Gerais. "A única coisa de que eu tenho certeza é que nós vamos fazer a sucessão presidencial. Que me desculpem os adversários, mas nós vamos ganhar para poder ter continuidade", discursou o presidente no Vale do Jequitinhonha.
Antes dele, a ministra-candidata havia usado outra inauguração para admoestar o PSDB: "O próprio presidente do partido de oposição disse que acabaria com o PAC porque o PAC não existe". As perguntas que se impõem aqui são as mais óbvias: estamos ou não diante de um ato de campanha eleitoral? O dinheiro público deve servir a esse tipo de proselitismo? Isso não compromete o pressuposto da igualdade de condições entre candidatos?
Acrescente-se que essa retórica de comício quase nada contribui para o esclarecimento do que cada postulante à Presidência pensa e propõe para o país.
O mesmo raciocínio se aplica ao governador José Serra, cujo hábito de terceirizar para outros tucanos críticas ao governo Lula já entrou para o folclore político. Assim como o PAC serve de trampolim a Dilma, o governo de São Paulo irá exibir, nos próximos cinco meses, uma série de campanhas publicitárias, que oficialmente devem "prestar contas" da gestão tucana.
Nada disso é ilegal, mas cabem aqui outras perguntas: não se trata de campanha antecipada? E será esse o melhor destino do dinheiro público? O Orçamento do Estado com publicidade para 2010 está estimado em R$ 204 milhões. Seria mais razoável se esse gasto ficasse restrito às campanhas de utilidade pública.
Não tem faltado aos candidatos iniciativa para dispor das estruturas do Estado e dos recursos públicos a fim de obter dividendos eleitorais. Não se vê a mesma disposição para o debate.


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