|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
PT: governo e diretório
CESAR MAIA
No último fim de semana, o Diretório Nacional do PT reuniu-se para discutir as ações do governo e estabelecer formalmente suas deliberações, de
modo a enquadrar possíveis rebeldes
ou radicais, como prefere a imprensa.
Terminada a reunião, os dirigentes do
PT fizeram as declarações de praxe às
TVs, rádios e jornais, que aceitaram e
propagaram a versão deles. Em resumo:
os radicais haviam sido enquadrados e
quem não se submetesse à disciplina do
diretório podia ir arrumando a mala.
Paralelamente, foi distribuído um amplo documento de dez laudas e 27 itens
-ou teses, se assim se preferir.
Minha sensação é de que ninguém se
deu ao trabalho de ler esse longo documento. Talvez longo para isso. Esses documentos, em partidos ditos de esquerda -e falo por experiência própria-,
são discutidos minuciosamente e as vírgulas, adjetivos e letras são analisados e
votados. Não passa nada. Este não seria
diferente. Pois bem, quem leu viu que o
resultado foi exatamente o inverso do
propagado. Perderam os ditos moderados, ganharam os ditos radicais. Talvez
por isso os rebeldes com causa do PT tenham saído satisfeitos, sem fazer declarações.
Claro que o documento tem muita retórica e declarações abstratas de princípios e de amor ao povo e reclamatórias
contra a herança recebida. Isso ajuda a
encher a linguiça, motivar os militantes
e iludir aos distraídos.
Já na tese nš 2, o documento assusta.
Ficamos sabendo que a presença dos
ministros da Agricultura e da Indústria
marca apenas uma "matização" do governo e que estão ali exclusivamente por
questões táticas. Leiam bem esta frase:
"Essa matização expressa a tentativa de
construção de uma aliança com o empresariado nacional". Entenderam? Se
for apenas uma aliança, é porque o empresariado tem presença episódica, e
não estrutural, e, quando a correlação
de forças mudar, será descartável com a
economia de mercado que representa.
O Congresso Nacional só aparece
uma vez, quando se diz que se conseguiu uma sucessão tranquila nas mesas
das duas Casas. Mas o documento é farto em exemplos de democracia direta
como instância decisória, desde a tese
nš 3, que trata de Orçamento Participativo, conselhos setoriais, Conselho de
Desenvolvimento.... Que se cuide a democracia representativa!
A tese nš 5 mostra a sua preocupação
com a descentralização e dispersão das
políticas sociais e propõe uma coordenação e centralização que culminam na
tese 23, com a junção de todas as bolsas
-escola, saúde etc.- em uma só: a de
"Renda Básica de Cidadania". Não é
preciso dizer o quanto isso perderia de
foco e eficácia social, mas ganharia em
centralização e manipulação política.
Para tanto, querem votar logo os projetos de lei 266/2001 e/ou 254/2003.
Quem pensa que os radicais foram enquadrados está enganado. Os moderados é que fizeram as concessões
|
Numa apoteose mental, nas teses 8 e 9
exaltam o papel líder do governo do PT
no plano internacional. Tirando os incômodos que provocam nos possíveis
parceiros e os calafrios nos itamaratyanos, "meno male".
Finalmente, nas teses 11 a 15, tratam
da política econômica.
Quem pensa que os radicais foram enquadrados está redondamente enganado. Os moderados é que fizeram as devidas concessões. Tudo o que se está fazendo é transitório e tático, vide tese nš
14. Não se sabe se o uso metodológico
de "metas de inflação" vai ficar depois
que -e se- a inflação diminuir. Esta
expressão nem sequer é citada. Apelam
na tese 16, ao relacionarem o endividamento público à gestão de Maluf.
As reformas tributária e da previdência são tratadas de forma genérica -tese nš 20-, o que deixa suas bancadas livres para votarem como quiserem.
Aliás, lá na frente, na tese 26, fecham o
acordo interno garantindo que "os aposentados e pensionistas do sistema universal básico deverão ser isentos de
qualquer contribuição", algo diferente
do que diziam dias atrás pelos jornais.
A tese 22 simplesmente apaga as agências reguladoras: "Hoje, essas agências
revelam-se poderes anti-republicanos".
Puxa! Isso é o mínimo que diz a tese. E
culmina: "capturadas pelas empresas
que deveriam ser reguladas". Ou seja,
preparem-se para a liquidação das mesmas e para a volta do dirigismo estatal.
Para encerrar, a tese 27 completa o
quadro: "O PT condena a formação de
milícias armadas por latifundiários, por
entendê-las desafiadoras do Estado de
Direito". E segue: "O PT manifesta
apoio integral (...) à substituição dos
dispositivos da MP 2.183, repressivos
aos trabalhadores rurais". Ou seja, invadam à vontade, que terão cobertura depois. E o MST? Bem, depois do que fizeram e fazem, nem menção e menos ainda condenação a eles.
É esta a verdade da reunião do diretório. O PT não mudou, continua o mesmo, está manso por razões táticas. Sua
maioria continua a mesma de antes e os
radicais prestam um excelente serviço
ao governo e ao partido. Fazem os incautos pensarem que algo mudou. As
unhas estão grandes e afiadas como
sempre, mas ocultas pelas luvas da retórica mediatizada. Quem viver verá.
Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.
Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Therezinha Zerbini: Água é vida
Índice
|