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São Paulo, sexta-feira, 21 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

PT: governo e diretório

CESAR MAIA

No último fim de semana, o Diretório Nacional do PT reuniu-se para discutir as ações do governo e estabelecer formalmente suas deliberações, de modo a enquadrar possíveis rebeldes ou radicais, como prefere a imprensa.
Terminada a reunião, os dirigentes do PT fizeram as declarações de praxe às TVs, rádios e jornais, que aceitaram e propagaram a versão deles. Em resumo: os radicais haviam sido enquadrados e quem não se submetesse à disciplina do diretório podia ir arrumando a mala. Paralelamente, foi distribuído um amplo documento de dez laudas e 27 itens -ou teses, se assim se preferir.
Minha sensação é de que ninguém se deu ao trabalho de ler esse longo documento. Talvez longo para isso. Esses documentos, em partidos ditos de esquerda -e falo por experiência própria-, são discutidos minuciosamente e as vírgulas, adjetivos e letras são analisados e votados. Não passa nada. Este não seria diferente. Pois bem, quem leu viu que o resultado foi exatamente o inverso do propagado. Perderam os ditos moderados, ganharam os ditos radicais. Talvez por isso os rebeldes com causa do PT tenham saído satisfeitos, sem fazer declarações.
Claro que o documento tem muita retórica e declarações abstratas de princípios e de amor ao povo e reclamatórias contra a herança recebida. Isso ajuda a encher a linguiça, motivar os militantes e iludir aos distraídos.
Já na tese nš 2, o documento assusta. Ficamos sabendo que a presença dos ministros da Agricultura e da Indústria marca apenas uma "matização" do governo e que estão ali exclusivamente por questões táticas. Leiam bem esta frase: "Essa matização expressa a tentativa de construção de uma aliança com o empresariado nacional". Entenderam? Se for apenas uma aliança, é porque o empresariado tem presença episódica, e não estrutural, e, quando a correlação de forças mudar, será descartável com a economia de mercado que representa.
O Congresso Nacional só aparece uma vez, quando se diz que se conseguiu uma sucessão tranquila nas mesas das duas Casas. Mas o documento é farto em exemplos de democracia direta como instância decisória, desde a tese nš 3, que trata de Orçamento Participativo, conselhos setoriais, Conselho de Desenvolvimento.... Que se cuide a democracia representativa!
A tese nš 5 mostra a sua preocupação com a descentralização e dispersão das políticas sociais e propõe uma coordenação e centralização que culminam na tese 23, com a junção de todas as bolsas -escola, saúde etc.- em uma só: a de "Renda Básica de Cidadania". Não é preciso dizer o quanto isso perderia de foco e eficácia social, mas ganharia em centralização e manipulação política. Para tanto, querem votar logo os projetos de lei 266/2001 e/ou 254/2003.


Quem pensa que os radicais foram enquadrados está enganado. Os moderados é que fizeram as concessões


Numa apoteose mental, nas teses 8 e 9 exaltam o papel líder do governo do PT no plano internacional. Tirando os incômodos que provocam nos possíveis parceiros e os calafrios nos itamaratyanos, "meno male".
Finalmente, nas teses 11 a 15, tratam da política econômica.
Quem pensa que os radicais foram enquadrados está redondamente enganado. Os moderados é que fizeram as devidas concessões. Tudo o que se está fazendo é transitório e tático, vide tese nš 14. Não se sabe se o uso metodológico de "metas de inflação" vai ficar depois que -e se- a inflação diminuir. Esta expressão nem sequer é citada. Apelam na tese 16, ao relacionarem o endividamento público à gestão de Maluf.
As reformas tributária e da previdência são tratadas de forma genérica -tese nš 20-, o que deixa suas bancadas livres para votarem como quiserem. Aliás, lá na frente, na tese 26, fecham o acordo interno garantindo que "os aposentados e pensionistas do sistema universal básico deverão ser isentos de qualquer contribuição", algo diferente do que diziam dias atrás pelos jornais.
A tese 22 simplesmente apaga as agências reguladoras: "Hoje, essas agências revelam-se poderes anti-republicanos". Puxa! Isso é o mínimo que diz a tese. E culmina: "capturadas pelas empresas que deveriam ser reguladas". Ou seja, preparem-se para a liquidação das mesmas e para a volta do dirigismo estatal.
Para encerrar, a tese 27 completa o quadro: "O PT condena a formação de milícias armadas por latifundiários, por entendê-las desafiadoras do Estado de Direito". E segue: "O PT manifesta apoio integral (...) à substituição dos dispositivos da MP 2.183, repressivos aos trabalhadores rurais". Ou seja, invadam à vontade, que terão cobertura depois. E o MST? Bem, depois do que fizeram e fazem, nem menção e menos ainda condenação a eles.
É esta a verdade da reunião do diretório. O PT não mudou, continua o mesmo, está manso por razões táticas. Sua maioria continua a mesma de antes e os radicais prestam um excelente serviço ao governo e ao partido. Fazem os incautos pensarem que algo mudou. As unhas estão grandes e afiadas como sempre, mas ocultas pelas luvas da retórica mediatizada. Quem viver verá.

Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 1996.


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