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TENDÊNCIAS/DEBATES
NÃO
Pagou, levou
HÉLIO ZYLBERSTAJN
"Carreira típica de Estado."
Com essa expressão de significado pouco esclarecedor, tentam nos convencer de que os juízes devem ter um
regime próprio de aposentadoria. Mas,
na verdade, é apenas um jogo de palavras. Dizer que uma carreira é típica é
pleonasmo. Todas as carreiras são típicas, e é por serem típicas que são carreiras. A carreira de médico é diferente da
de professor, que é diferente da de operador de máquinas e assim por diante.
Na verdade, as carreiras têm algo em comum: elas existem quando os empregadores precisam reter seus empregados.
Em alguns tipos de emprego, os trabalhadores aprendem rapidamente as tarefas e atingem altos níveis de desempenho em pouco tempo. Nesses casos, a
empresa não precisa se preocupar muito com a retenção dos empregados, pois
é relativamente fácil e barato substituí-los e treinar outros. Em outros tipos de
emprego, porém, leva muito tempo para aprender todas as especificidades do
trabalho e é preciso bastante treinamento em serviço. Nesses casos, o empregador tem interesse em reter os empregados, para não perder o investimento
que faz. Usa então pelo menos duas políticas de remuneração: aumentos de salário por progressão na "carreira" e benefícios atraentes no longo prazo. A
aposentadoria é um desses benefícios.
Todas as "carreiras" têm essas duas regras e prometem remuneração e benefícios crescentes no tempo. Não há aí nenhuma especificidade.
O problema surge quando não fica
muito claro quanto custam esses benefícios e quem os paga. As empresas privadas procuram adequar os custos dessas políticas com as vantagens que extraem, pois precisam garantir dividendos para os proprietários e sobreviver
no mercado. Mesmo assim, há exemplos de empresas privadas que não conseguem controlar os gastos com as aposentadorias de seus ex-empregados, e o
descontrole acaba se refletindo inclusive no valor de mercado de suas ações.
Mas, de um modo geral, as empresas
privadas procuram compatibilizar os
dois objetivos: reter seus profissionais,
oferecendo-lhes benefícios "resgatáveis" no longo prazo, e manter a rentabilidade e a competitividade. No setor
público, o controle dos gastos com aposentadorias é mais frágil e a tendência
ao descontrole é permanente.
De qualquer maneira, a existência de
planos de aposentadoria atraentes não é
exclusividade do setor público e não é
evidência de nenhuma especificidade
das "carreiras de Estado". São benefícios muito utilizados quando o emprego é de longa duração. Há até uma característica comum aos planos de aposentadoria das mais diversas "carreiras": eles precisam ser financeiramente
e atuarialmente equilibrados. Ou seja,
os recursos coletados com as contribuições precisam ser suficientes para pagar
os benefícios prometidos.
Vamos então verificar se, no caso dos
magistrados, as contribuições "empatam" com os benefícios. Supondo que a
aposentadoria dure 20 anos (período
que inclui a pensão para o cônjuge), temos então a seguinte trajetória padrão:
o juiz ingressa com cerca de 25 anos de
idade, exerce suas funções por 35 anos,
se aposenta aos 60 e goza da aposentadoria no valor do último salário por
mais 20 anos. Hoje, um juiz em início de
carreira ganha mais ou menos R$ 4.000
e, ao final, pode ganhar até cerca de R$
12 mil. Os valores absolutos não são importantes, o relevante é a relação entre o
último salário e o primeiro, que é de
aproximadamente 3 para 1. Esses valores variam nos Estados, mas correspondem a uma média. Quanto seria necessário recolher durante os 35 anos para
pagar a aposentadoria por 20 anos?
Um simples exercício de matemática
financeira mostra que o juiz deveria recolher 58% dos seus vencimentos durante os 35 anos. Ou seja, para cada
R$100 de salário, deveriam ser separados outros R$ 58 para pagar a aposentadoria e a pensão. Esse resultado ilustra
dramaticamente por que os regimes
próprios de aposentadoria dos servidores públicos estão desequilibrados. Os
benefícios prometidos aos juízes (e também aos demais servidores públicos)
são muito grandes. As contribuições
que deveriam ser cobradas para financiá-los são tão altas que os administradores simplesmente deixam de recolhê-las. Quando o juiz se aposenta, recorrem ao Tesouro para cobrir o buraco.
Na verdade, essa é a especificidade das
"carreiras típicas de Estado": passar a
conta para nós, os contribuintes.
Os juízes querem continuar a ter a sua
"carreira típica". Muito bem, mas antes
deveriam nos perguntar se estamos dispostos a continuar pagando a conta. Na
verdade, estamos diante de uma escolha
importante. Se mantivermos o conceito
de "carreira típica de Estado", sabemos
que continuará a ser usado o velho vício
de passar a conta para o contribuinte.
Mas, se a reforma da Previdência for
aprovada, poderemos instituir outra regra: quem quiser uma aposentadoria
melhor terá de poupar uma parte de
seus vencimentos e pagar por ela. Como
dizia o saudoso Francisco de Oliveira, é
hora de instituir na aposentadoria a regra mais simples que há: pagou, levou.
Hélio Zylberstajn, 57, economista, é professor
da FEA-USP e pesquisador da Fipe, onde coordena o Programa Mediar - Informações para a
Mediação Estratégica entre Trabalho e Capital.
Para os cálculos apresentados neste artigo, foi
utilizada a taxa de desconto de 3% ao ano.
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