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Brechas e distorções
Se o presidente não precisa sair do cargo para disputar a reeleição, o mesmo deveria valer para os seus adversários
A
ALTERAÇÃO é sobretudo
semântica. Proibido a
partir de 1º de julho de
participar de inauguração de obras, a assessoria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
anunciou anteontem que ele se
limitará à realização de "vistorias". Em vez de assumir o proscênio em eventos orquestrados
para celebrar feitos concluídos,
tratará de fiscalizar construções
em andamento, brecha permitida pela Lei Eleitoral.
No que diz respeito à visibilidade, a diferença é sutil. Principalmente porque a estratégia do
presidente da República nos últimos meses tem sido tirar partido
eleitoral de toda e qualquer iniciativa passível de ser associada a
seu governo. Desde o início do
ano, deu preferência a realizações inacabadas: visitou 31 lançamentos e projetos em andamento, alguns com previsão de
entrega para depois de 2010, e
inaugurou apenas 14 obras.
A distinção entre "inaugurar" e
"fiscalizar" é tênue demais para
pesar no cálculo do eleitor, nem
sempre equipado para filtrar os
procedimentos heterodoxos do
marketing político. Não se deve,
contudo, superestimar o papel
dessa indistinção entre governante e candidato.
Quanto mais difundido o conhecimento sobre as realizações
de um governo, maior a possibilidade de um julgamento preciso
nas eleições seguintes. O fato de
o presidente empenhar-se em
capitalizar os feitos de sua gestão
não acarreta endosso imediato a
suas iniciativas -cabe ao eleitor
avaliá-las. Aos candidatos concorrentes, resta igualmente a
propaganda eleitoral como instrumento para lançar um contrapeso à máquina oficial.
O desequilíbrio mais significativo reside num problema anterior. Até o momento, não se conseguiu explicar de modo convincente por que os postulantes à
reeleição podem permanecer
nos cargos, ao passo que os concorrentes são obrigados a desincompatibilizar-se. Se não faz
sentido exigir de um presidente
da República que renuncie para
concorrer à vaga que já ocupava,
é igualmente criticável que se
obrigue um governador de Estado ou prefeito a deixar o posto
para disputar a Presidência ou
qualquer outro cargo executivo.
As justificativas mais freqüentes se referem à possibilidade de
contaminação de interesses e à
necessidade de liberar o candidato das obrigações de chefe do
Executivo para concentrar-se na
campanha eleitoral. Mas faria
mais sentido que a decisão coubesse ao próprio postulante.
Mesmo porque é sobre ele que
recai o ônus da escolha.
Políticos da oposição a Lula
têm chamado a atenção para essa distorção embutida no instituto da reeleição. Vale lembrar
que o desequilíbrio teve origem
durante o governo Fernando
Henrique Cardoso, mentor da
proposta e até agora seu único
beneficiário no âmbito federal.
Essa imperfeição na regra da
reeleição é evidente, mas só pode
ser corrigida por emenda constitucional, que não tem aplicação
imediata. Por ora cabe exigir fiscalização severa da parte do TSE,
para que as normas já em vigor
sejam cumpridas à risca.
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