São Paulo, quarta-feira, 21 de junho de 2006

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Brechas e distorções

Se o presidente não precisa sair do cargo para disputar a reeleição, o mesmo deveria valer para os seus adversários

A ALTERAÇÃO é sobretudo semântica. Proibido a partir de 1º de julho de participar de inauguração de obras, a assessoria do presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou anteontem que ele se limitará à realização de "vistorias". Em vez de assumir o proscênio em eventos orquestrados para celebrar feitos concluídos, tratará de fiscalizar construções em andamento, brecha permitida pela Lei Eleitoral.
No que diz respeito à visibilidade, a diferença é sutil. Principalmente porque a estratégia do presidente da República nos últimos meses tem sido tirar partido eleitoral de toda e qualquer iniciativa passível de ser associada a seu governo. Desde o início do ano, deu preferência a realizações inacabadas: visitou 31 lançamentos e projetos em andamento, alguns com previsão de entrega para depois de 2010, e inaugurou apenas 14 obras.
A distinção entre "inaugurar" e "fiscalizar" é tênue demais para pesar no cálculo do eleitor, nem sempre equipado para filtrar os procedimentos heterodoxos do marketing político. Não se deve, contudo, superestimar o papel dessa indistinção entre governante e candidato.
Quanto mais difundido o conhecimento sobre as realizações de um governo, maior a possibilidade de um julgamento preciso nas eleições seguintes. O fato de o presidente empenhar-se em capitalizar os feitos de sua gestão não acarreta endosso imediato a suas iniciativas -cabe ao eleitor avaliá-las. Aos candidatos concorrentes, resta igualmente a propaganda eleitoral como instrumento para lançar um contrapeso à máquina oficial.
O desequilíbrio mais significativo reside num problema anterior. Até o momento, não se conseguiu explicar de modo convincente por que os postulantes à reeleição podem permanecer nos cargos, ao passo que os concorrentes são obrigados a desincompatibilizar-se. Se não faz sentido exigir de um presidente da República que renuncie para concorrer à vaga que já ocupava, é igualmente criticável que se obrigue um governador de Estado ou prefeito a deixar o posto para disputar a Presidência ou qualquer outro cargo executivo.
As justificativas mais freqüentes se referem à possibilidade de contaminação de interesses e à necessidade de liberar o candidato das obrigações de chefe do Executivo para concentrar-se na campanha eleitoral. Mas faria mais sentido que a decisão coubesse ao próprio postulante. Mesmo porque é sobre ele que recai o ônus da escolha.
Políticos da oposição a Lula têm chamado a atenção para essa distorção embutida no instituto da reeleição. Vale lembrar que o desequilíbrio teve origem durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mentor da proposta e até agora seu único beneficiário no âmbito federal.
Essa imperfeição na regra da reeleição é evidente, mas só pode ser corrigida por emenda constitucional, que não tem aplicação imediata. Por ora cabe exigir fiscalização severa da parte do TSE, para que as normas já em vigor sejam cumpridas à risca.


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