São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2008

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Ilusões perdidas

SÃO PAULO - Num país tão brutalmente desigual, soa até ofensivo perguntar se a Justiça é elitista. Como? Claro que sim, como a saúde e a educação, direitos universais no papel. Os que não podem pagar (professor, médico ou advogado) se viram na moenda social brasileira.
Essa é também uma sociedade autoritária. Escravocratas durante séculos, seguimos patrimonialistas. E saímos de uma ditadura de duas décadas há pouco mais de 20 anos. Essas marcas estão inscritas na maneira de pensar, no país que conseguimos ser: ainda desiguais demais, ainda democratas de menos.
O "affaire Dantas", além do potencial explosivo, é rico porque traz à tona esse núcleo de problemas: privilégio e impunidade de um lado, demanda por justiça social e por lei para todos, de outro.
A simpatia popular pende para o elo mais fraco -neste caso, o delegado da PF, o que por si só é uma boa ironia. Não se deve caluniar a polícia abstratamente, disse o filósofo Adorno ao amigo Marcuse, pouco antes de morrer em 1969.
Mas não se deve também relevar o viés autoritário ou os abusos heterodoxos do inquérito (como se fossem "só" males menores) em nome do desejo por justiça.
Não é preciso querer livrar a cara dos vilões para notar que ninguém nessa história faz boa figura. Este parece ser o xis da questão. A polícia atropela a lei para combater privilégios; advogados invocam a lei para preservar os mesmos privilégios. Quantos interesses inconfessáveis escondem cada intenção geral?
Talvez este episódio nos coloque diante do que o crítico Roberto Schwarz chamou de "desigualdade social degradada", a saber: esgotada a perspectiva histórica de uma vida nacional e coletiva decente, a sociedade se reproduz mais e mais e de cima abaixo sob o signo da delinqüência. Daniel Dantas seria, tanto quanto Fernandinho Beira-Mar, um tipo capaz de iluminar a trama contemporânea do país.
Ficamos ainda sem saber se é um prenúncio de boas novas ou um sintoma dos limites do Brasil.


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