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São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

Direita perplexa

Collor disse que seu governo deixaria a esquerda perplexa e a direita indignada. Lula está fazendo o contrário disso, com o complemento de que a direita não está apenas perplexa, mas agradavelmente perplexa. A aprovação chega a ser entusiástica nos meios financeiros, reforçada pelo contraste com expectativas anteriores.
Depois do estrangulamento promovido no primeiro semestre, a recente queda na taxa básica de juros exerceu esperado efeito de alívio, como se fosse razão para comemorar que esse piso esteja agora em "apenas" 22%! Uma débil aragem em favor da produção que não altera o caráter essencial do governo, comprometido a fundo com a doutrina que foi eleito para supostamente substituir.
Na gestão da economia, o governo adota política semelhante, para não dizer idêntica, à do período Malan. Essa mesma política restringe gastos e investimentos nas demais áreas, onde o governo se mostra, além disso, confuso e incapaz. A política externa é chamativa, com maior independência retórica, mas em termos reais ainda está por ser provada.
A única área onde o governo apresenta um perfil de esquerda é a da reforma agrária. Ali estão enquistadas as posições mais anacrônicas, que, se levadas a efeito um dia, produziriam quebra da produção agrícola e um sombrio eldorado de estilo católico-medieval, com o Estado no lugar do barão feudal. Por isso mesmo, é ali que cresce o potencial de confronto.
Existe quem projete a perspectiva de que, com a previsível queda de popularidade e o acirramento das contradições em torno do governo, este seja obrigado a uma mudança de curso. Acena-se com a possibilidade de uma guinada à esquerda como solução a que o governo seria compelido em caso de um impasse grave.
Tais especulações já circularam com mais insistência e verossimilhança do que hoje. Começa a ganhar forma o raciocínio oposto, segundo o qual o governo, diante de uma situação crítica que possa se configurar no futuro, seria empurrado ainda mais para a direita, cortando em definitivo os laços esfrangalhados com a tradição petista.
Na recente ofensiva propagandística, o presidente Lula reafirmou seu compromisso com a posição centrista que vem caracterizando seu governo. Como quase todo político bem-sucedido, ele sempre foi um pragmático, sem convicções propriamente ideológicas, que dança conforme a valsa. Mas o deslocamento para a direita se apóia em razões mais fortes do que meras frases de político.
O espectro ideológico, no Brasil e no mundo, só tem se deslocado para a direita. Os mercados exercem um poder de tutela e chantagem sem precedentes sobre os governos. A geração de Lula chegou ao poder depois de anos de ostracismo; adapta-se rapidamente às rotinas e conveniências de um governo bem-comportado. Mudar para que e por quê?


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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