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CARLOS HEITOR CONY
Terror por terror
RIO DE JANEIRO - Antigamente,
em cada bairro, em cada rua, havia
um sujeito que tinha a fama (ou a
glória) de ser lobisomem em noites
de lua cheia. Havia sempre um corno em evidência, um bicheiro aposentado, um ex-padre amasiado
com a empregada, um candidato a
vereador eternamente derrotado.
Mas o espécime mais notório era o
cara que se transformava em lobo e
andava pelas ruas uivando contra as
estrelas.
Inspiravam mais pasmo do que
horror. O sujeito até que não fazia
nada de especial, mas todos o evitavam. Mesmo assim eram procurados, sendo bons em dicas que davam sobre o jogo do bicho. Seu Almeida acertou um milhar e atribuiu
a façanha ao palpite que recebera
do Sacadura -um tipo alourado e
sem dentes que já fora visto em forma de lobo pulando a janela de uma
tal de Moerís, mulher de um amanuense da Marinha de Guerra.
Não havia mulas-sem-cabeça nas
ruas do Rio bucólico de outros tempos. Nem sacis -que eram exclusividade do interior mais profundo,
do rio Meriti para cima. Mas sobravam lobisomens, que eram apontados nas ruas como os cornos. Muitos deles acumulavam as duas funções, cornos de dia e lobos em noites de luar.
Não havia balas perdidas naquele
tempo. Morria-se de gripe, de pulmões avariados, de aneurismas arrebentados, de mortes decentes,
que provocavam enterros decentíssimos, com direito ao pranto aberto
e ao luto fechado. As viúvas ficavam
mais apetitosas com as meias pretas e aquele véu cobrindo o rosto.
Receberei e-mails reclamando
que não escrevo sobre os manetes
do Airbus, as pistas ensaboadas dos
aeroportos, os bois do Renan, as dificuldades do ministro da Defesa
em acomodar seu 1,90 m nas poltronas da classe econômica. Preferi
falar dos lobisomens. Terror por
terror, eram mais inofensivos.
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