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RUY CASTRO
Cliente na chuva
RIO DE JANEIRO - Quando me
tornei cliente de determinado banco, há mais de 40 anos, seu símbolo
era um guarda-chuva. Era um banco tão simpático que desafiava a frase do poeta Robert Frost, "um banco é um estabelecimento que nos
empresta um guarda-chuva em dia
de sol, e o pede de volta quando começa a chover". Bem, este banco
não me tomaria o guarda-chuva, se
um dia eu o pedisse emprestado.
Pelas décadas seguintes, mudei
algumas vezes de cidade, agência e
gerente, mas continuei fiel ao guarda-chuva, só traindo-o com outros
bancos quando um novo empregador me obrigava a trabalhar com algum banco de sua preferência.
Mesmo assim, recebido o pagamento, eu dava um jeito de tirar o dinheiro do tal banco e depositá-lo
debaixo do guarda-chuva.
Durante todo esse tempo, fiz
amizade com vários de seus gerentes, homens ou mulheres -nem foram tantos, cada gerente ficava
anos no posto-, e, com todo respeito, até namorei uma delas. O banco
é que se provou infiel ao próprio
símbolo, aposentando-o. Desde então, já quebrou, foi socorrido com
dinheiro público, fundiu-se com
outro que o engoliu e o banco resultante dessa fusão também já foi assimilado por outro.
Minha agência muda de bandeira, mas vou levando minha modesta
conta de uma para outra. Até algum
tempo, ainda era assistido por simpáticos gerentes, eles próprios atônitos diante dos solavancos. Mas isso já não é possível.
O rodízio de gerentes em minha
agência ficou mais rápido do que
qualquer cliente consegue acompanhar. Ninguém mais conhece ninguém. E, embora more a cinco
quarteirões da agência, quando ligo
para lá o telefone toca em... São
Paulo. Sou atendido por alguém
que nunca me viu, nunca me verá e
para quem tanto faz que eu seja seu
cliente desde que o banco ainda
usava guarda-chuva.
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