São Paulo, terça-feira, 21 de setembro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Urubu na Bienal

SÃO PAULO - "Há sempre um copo de mar/ Para um homem navegar". São versos do canto primeiro da "Invenção de Orfeu", o longo poema que Jorge de Lima publicou em 1952, um ano antes de morrer.
A 29ª Bienal, que abre hoje no Pavilhão do Ibirapuera para convidados e sábado para o público, está organizada em torno das relações entre "arte e política". E fez dos versos do poeta alagoano o seu título.
Entre o confinamento do "copo" e o infinito do "mar" existe uma tensão, na qual podemos (ou estamos condenados a) "navegar". Ou o colunista "navega" demais?
Nota-se, já a partir dessa escolha pouco óbvia (e da beleza complexa que os versos exprimem), o compromisso dos curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos com o sentido de relevância da cultura.
Depois da "Bienal do Vazio", quando mimetizou seu ocaso, a mostra parece se reerguer, aliando inquietação e esforço reflexivo.
Mas nada disso pertence ao universo do presidente da OAB de São Paulo, Luiz Flávio Borges D'Urso. Ele anda ouriçado com os "excessos" da Bienal. Em nota, solicitou que os trabalhos de Gil Vicente sejam banidos da exposição, sob ameaça de acionar a Justiça. D'Urso viu incitação ao crime na série de desenhos "Inimigos", em que o artista pernambucano retrata a si mesmo atentando contra a vida de figuras públicas -Lula, FHC etc.
Pode-se ou não gostar dos trabalhos, mas "crime" seria censurá-los. Nos anos 1970, Raymundo Faoro colocou a OAB na linha de frente da luta pela democracia. D'Urso transforma a seção paulista da entidade em sucursal do obscurantismo. Sua atitude é oportunista e sua compreensão da arte é rudimentar.
Lembre-se que D'Urso foi líder do "Cansei", em 2007, quando o acidente da TAM serviu de pretexto para que uma fração da direita civil se organizasse em torno do que Cláudio Lembo chamou de "movimento de dondocas". O sr. Cansei está de volta. Mas por favor: urubus na Bienal, só os de Nuno Ramos...


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