São Paulo, quarta-feira, 21 de novembro de 2007

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R$ 40 bilhões? Fácil

ALDO PEREIRA


Impostos que desestimulam desperdício de energia e aceleração do aquecimento global deveriam ser majorados


NO COMEÇO do ano, a Comissão Européia, órgão executivo da União Européia, definiu cotas restritivas para emissões de gás carbônico (CO2), causa presumida do aquecimento global. José Manuel Barroso, presidente da CE, advertiu: "Nossos esforços para proteger o planeta serão julgados por gerações futuras -pois elas conhecerão o estado do planeta que lhes vamos legar".
Inspiradoras palavras. Mas o carro de Barroso não é um Volkswagen Touareg? (Novo-rico brasileiro chega a pagar mais de R$ 300 mil para humilhar o cunhado lobista lá de Brasília com um sedan desses, imponente sobretudo na cor preto funéreo.) O Touareg emite uns 350 gramas de CO2 a cada quilômetro rodado; quase o triplo do limite máximo de 130 gramas por carro que irá viger na Europa a partir de 2012. Defrontado com a contradição, Barroso foi ríspido com o repórter: "Olhe aqui, eu não comento opções particulares, escolhas de minha família ou da sua".
Teria querido dizer "da sua mãe"? Mais diplomático teria sido ele apontar irresponsabilidades oficiais mais sérias. Ponderar, digamos, que, num passeio Brasília-Zurique, ida e volta, o Airbus-A319 pode emitir o dobro do CO2 liberado por um Touareg em toda a sua vida útil. Corte.
Na cabala de votos para prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, ministros ameaçaram: sem CPMF, alíquotas de outros impostos seriam majoradas. Pois a oposição deveria ter pagado para ver: embora muitos impostos precisem ser abolidos ou abatidos, outros deveriam, sim, ser majorados.
Especialmente os que desestimulam desperdício de energia e aceleração do aquecimento global. Exemplo: se o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores de São Paulo fosse de uns 6% do valor venal dos carros, o Estado e seus municípios arrecadariam mais R$ 3 bilhões. Melhor ainda se a alíquota fosse progressiva: tanto mais alta quanto mais caro e poluidor o veículo.
O mesmo deveria valer para pedágio, inclusive urbano, porque quanto mais lento o trânsito, mais CO2 se emite. Também o valor das multas tem de ser progressivo. Por estacionar sua Kombi reumática em vaga proibida, o encanador que foi socorrer uma emergência paga a mesma multa que um Touareg (madame precisava ver o modelito da vitrine).
Multas proporcionais ao IPVA fariam justiça tributária e incutiriam responsabilidade ambiental. Mas aumento do IPVA, do pedágio e do trânsito renderia, talvez, apenas uns R$ 10 bilhões. Para compensar os outros R$ 30 bilhões que faltassem à CPMF, seria necessário majorar a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e/ou o ICMS e o PIS/Cofins incidentes sobre os combustíveis.
A abundância das jazidas de Tupi não deveria comprometer imperativos de parcimônia. Os preços praticados pela Petrobras no mercado interno são ridiculamente inferiores às cotações internacionais do petróleo.
Um único real de "contribuição" acrescido ao preço atual da gasolina ainda o deixaria mais baixo que o da Europa. E, salvo superveniente rebote de retração do consumo, só a gasolina geraria receita tributária adicional de R$ 20 bilhões. E, como devemos pagar pelo álcool uns 70% do preço da gasolina -pronto.
Haveria protestos ululantes, principalmente da indústria automobilística e da turística; talvez a ministra até baixasse uma portaria para esclarecer que o programa "Relaxe e Goze" não abrange sistemas terrestres. Acadêmicos sisudos preveriam conseqüentes e perturbadoras pressões inflacionárias. Inútil replicar que os R$ 40 bilhões da CPMF geram tanta inflação quanto impostos de igual valor que incidissem sobre a indulgente orgia do volante (a diferença é apenas do anestésico diluído no sistema financeiro).
Também parece óbvio que tributar consumo é mais inteligente do que tributar estupidamente produção e trabalho, como tantos governantes têm preferido.
Mas nada disso confere viabilidade à hipérbole ilustrativa, ironicamente proposta acima como alternativa "fácil". Em matéria tributária, confluem equações abstrusas, incertezas, realidades opacas. E não espere que políticos onerem sua contabilidade eleitoral com precauções impopulares.
Tem razão, dr. Barroso. Que a contenção do aquecimento global fique para gente de preferências veiculares mais modestas. Urgente é prevenir uivos de consumidores e eleitores desta geração. Clamores e gemidos da catástrofe que fiquem para os pósteros, pois, pois. Mas, se pensarmos como você, seremos pósteros nós todos.


ALDO PEREIRA , 75, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha.

aldopereira.argumento@uol.com.br


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