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Na corda bamba
Obama se previne contra excesso de expectativas, reafirma plataforma de mudanças genérica e cita abolicionista na posse
O DISCURSO de posse do
presidente dos Estados Unidos, Barack
Obama, não figura entre os mais brilhantes já proferidos pelo democrata. O encontro
entre a retórica de inspiração religiosa e a opção por abordar
uma diversidade de temas, dentro do rígido protocolo da ocasião, dificultou que da fala sobressaísse uma mensagem clara.
Basta, no entanto, diminuir as
ambições interpretativas -e livrar-se de indagações acerca do
lugar desse discurso na história,
por exemplo- para encontrar
uma linha de continuidade entre
o que foi dito anteontem para 1,8
milhão de testemunhas em Washington e o que vinha sendo pregado pela equipe do democrata.
"Digo a vocês que os desafios
que enfrentamos são reais. Não
serão superados facilmente, nem
num período de tempo curto.
Mas saiba, América: eles serão
superados", afirmou Obama logo
no início da fala. Foi o arremate
solene de um esforço que vinha
desde a eleição, no sentido de
baixar as inflacionadas expectativas a respeito do novo governo
-sem, contudo, comprometer as
generosas promessas feitas ao
longo da campanha.
Essa espécie de corda bamba
retórica já seria esperada numa
situação normal, a fim de ajustar
o discurso de um candidato de
oposição inexperiente à realidade da administração de uma máquina imperial como o governo
dos EUA. A dramática evolução
da crise econômica -e das demandas na sociedade por socorro imediato da Casa Branca- radicalizou esse ajuste.
Prevenido contra a ansiedade
popular, Obama então pode alinhavar em seu discurso de posse
os grandes temas de sua campanha, os quais preenchem, de modo ainda genérico, sua plataforma de "mudança". As promessas
de maior atuação estatal na distribuição de renda, na saúde e na
regulação do sistema financeiro
e de mais atenção ao ambiente,
ao devido processo legal e ao
multilateralismo convergiram
para um termo interessante, a
"era da responsabilidade".
Trata-se, nas palavras do presidente americano, "do reconhecimento de que temos deveres para conosco, com nosso país e com
o mundo". Ou, em outra passagem, específica sobre o uso da
força militar: "Nosso poder (...)
não nos confere o direito de fazermos o que bem entendemos".
Para tarefas difíceis, como as
que se impõem hoje aos EUA, só
um povo talhado na adversidade.
Esse foi o mote da evocação dos
fundadores da República, indefectível nos discursos presidenciais americanos, na fala de Barack Obama. Thomas Paine, um
dos mais radicais agitadores da
Independência, proclamada em
1776, foi agraciado com a única
citação do discurso.
A tese da abolição da escravatura, à época defendida ardorosamente por Paine para o país
nascente, acabou derrotada. Nada mais simbólico do que ter sido
citado, mais de dois séculos depois, na posse do primeiro presidente negro dos Estados Unidos.
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