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São Paulo, sábado, 22 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aumentar as penas dos condenados auxilia no combate ao crime organizado?

NÃO

Violência e Estado

HÉLIO BICUDO

O assassinato do juiz Antônio José Machado Dias, de Presidente Prudente, constitui-se em séria advertência ao Estado brasileiro, que há décadas vem desconhecendo a urgência em construirmos um sistema de segurança pública que atenda às premências de um povo que se vê submetido à violência do próprio Estado e, a par dele, das organizações criminosas que atuam no país.
Prisioneiro do corporativismo que qualifica as polícias Civil e Militar e o próprio Poder Judiciário, até hoje não se deu uma solução racional para a problemática da violência e da corrupção policial e, de outra parte, para a morosidade na solução dos litígios, como consequência do difícil acesso do povo à Justiça.
Na década de 50, o então governador de São Paulo Jânio Quadros, pressionado pelos argumentos de editorial de "O Estado de S. Paulo", enviou uma comissão de policiais, sob a coordenação de um membro do Ministério Público, à Inglaterra, para, estudando a organização da Scotland Yard, oferecer ao governo do Estado sugestões úteis à instituição de uma só polícia com dois ramos: um, em trajes civis, para os trabalhos investigativos, e outro, uniformizado, para o policiamento preventivo.
De outro lado, o Tribunal de Justiça, no início dos anos 60, quando governava o Estado o professor Carvalho Pinto, apresentou um plano de descentralização do processo de distribuição da Justiça, para permitir o melhor acesso da população.
Com as conturbações políticas dos anos subsequentes, com a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República e a deposição de João Goulart, e com o estabelecimento da ditadura militar por cerca de 20 anos, essas questões foram quase esquecidas. É verdade que o governo Ernesto Geisel tentou realizar uma reforma do Poder Judiciário, mas não passou de uma tentativa.
Somente em 1992 retomou-se a discussão da matéria, com a apresentação, à Câmara dos Deputados, de três propostas de emendas constitucionais, dando-se uma nova configuração à polícia, ao Poder Judiciário e ao sistema prisional.
Entretanto essas propostas foram rejeitadas -como aconteceu com aquela relativa à unificação das polícias- ou inteiramente desfiguradas, no que respeita a uma nova organização da Justiça, ou ainda esquecidas, no que se refere à reforma das instituição prisionais.
Quer dizer que faz mais de 40 anos que se questiona a necessidade de uma reforma abrangente do sistema de segurança, do qual fazem parte a polícia, a Justiça e a prisão.
Nesse período, assistimos a um desmesurado empobrecimento, levando extensas camadas do povo à miséria. Ao mesmo tempo, presenciamos o incremento do uso de drogas. Em decorrência de tudo isso, diante de uma polícia corrupta e violenta, com um Judiciário distante e moroso, cresceram, em proporção antes nunca vista, os grupos criminosos organizados, a ponto de termos hoje cerca de 5.000 jovens, com idade entre 8 e 18 anos, fortemente armados, participando de um exército que protege o tráfico de drogas.
Medidas como endurecimento, sendo que as novas leis penais são duríssimas -lembremo-nos da introdução dos chamados crimes hediondos em nossa legislação primitiva-, e diminuição da idade de responsabilidade penal, esquecendo-se o que dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, sugestões que ferem a Constituição, quando esta assegura à pessoa humana direitos ditos fundamentais, somente irão servir para que adiemos ainda mais o que já deveria ter sido feito: a reforma do aparelho do Estado no setor da segurança e da distribuição da Justiça.
Um povo miserável, que tem contra ele a organização policial e a indiferença do Judiciário, será sempre o sujeito da violência e do arbítrio.


Hélio Bicudo, 80, advogado e jornalista, é vice-prefeito do município de São Paulo e presidente da CMDH-SP. Foi deputado federal pelo PT-SP (1990-94 e 1995-98) e presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA (Organização dos Estados Americanos). É autor de "Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte", entre outros livros.


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