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TENDÊNCIAS/DEBATES
Aumentar as penas dos condenados auxilia no combate ao crime organizado?
NÃO
Violência e Estado
HÉLIO BICUDO
O assassinato do juiz Antônio José Machado Dias, de Presidente
Prudente, constitui-se em séria advertência ao Estado brasileiro, que há décadas vem desconhecendo a urgência em
construirmos um sistema de segurança
pública que atenda às premências de
um povo que se vê submetido à violência do próprio Estado e, a par dele, das
organizações criminosas que atuam no
país.
Prisioneiro do corporativismo que
qualifica as polícias Civil e Militar e o
próprio Poder Judiciário, até hoje não se
deu uma solução racional para a problemática da violência e da corrupção policial e, de outra parte, para a morosidade
na solução dos litígios, como consequência do difícil acesso do povo à Justiça.
Na década de 50, o então governador
de São Paulo Jânio Quadros, pressionado pelos argumentos de editorial de "O
Estado de S. Paulo", enviou uma comissão de policiais, sob a coordenação de
um membro do Ministério Público, à
Inglaterra, para, estudando a organização da Scotland Yard, oferecer ao governo do Estado sugestões úteis à instituição de uma só polícia com dois ramos:
um, em trajes civis, para os trabalhos investigativos, e outro, uniformizado, para o policiamento preventivo.
De outro lado, o Tribunal de Justiça,
no início dos anos 60, quando governava o Estado o professor Carvalho Pinto,
apresentou um plano de descentralização do processo de distribuição da Justiça, para permitir o melhor acesso da população.
Com as conturbações políticas dos
anos subsequentes, com a renúncia de
Jânio Quadros à Presidência da República e a deposição de João Goulart, e
com o estabelecimento da ditadura militar por cerca de 20 anos, essas questões
foram quase esquecidas. É verdade que
o governo Ernesto Geisel tentou realizar
uma reforma do Poder Judiciário, mas
não passou de uma tentativa.
Somente em 1992 retomou-se a discussão da matéria, com a apresentação,
à Câmara dos Deputados, de três propostas de emendas constitucionais,
dando-se uma nova configuração à polícia, ao Poder Judiciário e ao sistema
prisional.
Entretanto essas propostas foram rejeitadas -como aconteceu com aquela
relativa à unificação das polícias- ou
inteiramente desfiguradas, no que respeita a uma nova organização da Justiça, ou ainda esquecidas, no que se refere
à reforma das instituição prisionais.
Quer dizer que faz mais de 40 anos
que se questiona a necessidade de uma
reforma abrangente do sistema de segurança, do qual fazem parte a polícia, a
Justiça e a prisão.
Nesse período, assistimos a um desmesurado empobrecimento, levando
extensas camadas do povo à miséria. Ao
mesmo tempo, presenciamos o incremento do uso de drogas. Em decorrência de tudo isso, diante de uma polícia
corrupta e violenta, com um Judiciário
distante e moroso, cresceram, em proporção antes nunca vista, os grupos criminosos organizados, a ponto de termos hoje cerca de 5.000 jovens, com
idade entre 8 e 18 anos, fortemente armados, participando de um exército
que protege o tráfico de drogas.
Medidas como endurecimento, sendo
que as novas leis penais são duríssimas
-lembremo-nos da introdução dos
chamados crimes hediondos em nossa
legislação primitiva-, e diminuição da
idade de responsabilidade penal, esquecendo-se o que dispõe o Estatuto da
Criança e do Adolescente, sugestões que
ferem a Constituição, quando esta assegura à pessoa humana direitos ditos
fundamentais, somente irão servir para
que adiemos ainda mais o que já deveria
ter sido feito: a reforma do aparelho do
Estado no setor da segurança e da distribuição da Justiça.
Um povo miserável, que tem contra
ele a organização policial e a indiferença
do Judiciário, será sempre o sujeito da
violência e do arbítrio.
Hélio Bicudo, 80, advogado e jornalista, é vice-prefeito do município de São Paulo e presidente
da CMDH-SP. Foi deputado federal pelo PT-SP
(1990-94 e 1995-98) e presidente da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, da OEA
(Organização dos Estados Americanos). É autor
de "Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte", entre outros livros.
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