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RUY CASTRO
Para principiantes
RIO DE JANEIRO - Uma frase
muito repetida há algum tempo, "O
Brasil não é para principiantes", já
começa a entrar para a categoria de
móveis e utensílios da língua.
Quando isso acontece, sua autoria
se torna secundária -embora, no
caso, essa autoria seja tão ilustre
que citá-la emprestar-lhe-ia ainda
mais autoridade: Tom Jobim.
Tom não tirou essa frase do nariz.
Era uma "blague" com o título de
um livro, "Brasil para Principiantes", de um húngaro radicado aqui,
Peter Kellemen, e lançado em 1961
pela editora de maior prestígio na
época. Tratava-se de um apanhado
minucioso, hilariante e quase sempre exato dos pequenos golpes e vigarices que os brasileiros -para ele,
uma massa de corruptos benignos- se aplicavam para ir levando a
vida. Muitos se revoltaram com esse retrato tão cru do Brasil feito por
um estrangeiro, mas até eles compraram o livro, que vendeu dezenas
de milhares.
Kellemen dizia-se diplomata ou
médico, dependendo do freguês,
mas sua real ocupação era a de pilantra. Se qualquer leitor de seu livro já se daria bem ao se orientar
por ele, pode-se imaginar o que Kellemen não tinha na manga. E ele
não se fez de rogado.
Logo a seguir ao livro, lançou o
"Carnê Fartura" -boletos que custavam uma mixaria e concorriam a
sorteios milionários. Voluntários
venderam o "Carnê Fartura" por
todo o país, e papalvos sem conta o
compraram. Nunca se soube de um
sorteado. Quando a bolha estourou,
Kellemen, milionário, fugiu para a
Bolívia e sumiu de cena. Tinha feito
o Brasil de principiante.
Mas isso não invalida a frase de
Tom. Num país em que traficantes
cheiram, prostitutas gozam e, para
se manter no poder, a direita elege
governantes de esquerda, o Brasil
pode ser para qualquer um, menos
para principiantes. Ou para gente
de muitos princípios.
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