São Paulo, domingo, 22 de abril de 2007

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Ninguém merece!

LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS


O projeto de lei que recria as ZPEs vai ajudar a engrossar o rol de conturbações e escândalos que marcam nossa história recente


SEM dúvida, há algo mais voando fora da hora no céu além dos aviões de carreira. Não se trata do apagão aéreo, me refiro a retomada do debate sobre as Zonas de Processamento de Exportações. O tema voltou a assombrar a política industrial e o assunto ganhou a imprensa.
Enfaticamente, declaro que sou contrário ao projeto de lei. As ZPEs não servem para o Brasil e menos ainda, como instrumento de desenvolvimento regional. Uma de suas medidas ilustra bem a qualidade da proposta.
Ao permitir a venda para o mercado interno de parte do valor da produção, cria-se uma farra fiscal sem nenhuma racionalidade tributária e sem nenhum efeito positivo na competitividade real da nossa economia.
A retomada do assunto é extemporânea. Seguindo a experiência internacional, a principal justificativa para a instalação de uma ZPE é a escassez de divisas. Ou seja, países com déficits crônicos no balanço de pagamentos têm dificuldade para importar bens e serviços essenciais à modernização de suas economias. Em casos assim, as ZPEs funcionam como uma alternativa para aumentar a capacidade de importar e assim dar condições para seu desenvolvimento.
Durante a maior parte de sua história, o Brasil viveu essa situação, atormentado pelo tema da dívida externa e do déficit do balanço de pagamentos. Esse foi um dos argumentos para que, no passado, a proposta das ZPEs tivesse sido considerada. A estratégia brasileira de industrialização, desde o pós-guerra, seguiu um caminho diferente: A substituição de importações, com resultados comprovados na construção de um parque produtivo moderno, complexo e diversificado.
Os dados falam por si. A balança comercial brasileira é superavitária há mais de duas décadas, as reservas internacionais são elevadas e o risco-país é baixo. Hoje não há mais restrição externa ao desenvolvimento do país. A ZPE é terapia duvidosa para uma doença que o Brasil já curou.
O aumento da competitividade do nosso parque produtivo, a abertura da economia e as reformas nos anos 90 mudaram a natureza das restrições ao crescimento econômico. Os entraves de hoje são internos, relacionados com a opção conservadora na macroeconomia e com a agenda de reformas estruturais interrompida pelo governo do PT. Atualmente, não faz o menor sentido sequer discutir ZPE como estratégia de desenvolvimento.
Há muito tempo o conceito de ZPE não é mais visto como um instrumento eficaz de incremento das exportações e de desenvolvimento econômico. O senador Sarney, que criou a figura desse tipo de zona, diz que existem ZPEs no mundo, mas não esclarece que, nos EUA, são quase apenas áreas com armazéns alfandegados.
Como as ZPEs não pegaram após quase vinte anos, pretende-se agora turbiná-las com uma nova lei que permite a venda no mercado interno, dificulta o trabalho da Receita Federal para impedir fraudes na importação subsidiada e permite que o Tesouro Nacional, via emendas orçamentárias, as subvencione. Contrabando e discricionariedade desnecessária são elementos permanentes que tornam o renascer desse instrumento uma aberração à racionalidade do uso dos recursos públicos e um atraso no enfraquecido debate sobre política industrial a que assistimos no Brasil.
A seleção dos escolhidos para habitar essas ilhas de falsa eficiência é uma tentação para a corrupção. Caberá ao presidente conceder as benesses. Quem duvida que esse instrumento vá se incorporar ao menu de ferramentas para a política de baixa qualidade, de cooptação barata, que ainda prevalece? O projeto de lei que recria as ZPEs ajudará a engrossar o rol de conturbações e escândalos que marcam nossa história recente.
Não contribui para reduzir desequilíbrios regionais e pode agravá-los. As regiões menos industrializadas precisam de investimento de infra-estrutura para serem competitivas de forma sistêmica. Enclaves como as ZPEs só fazem atrapalhar.
Além disso, as ZPEs são permitidas em todo o território nacional. Não apenas nas regiões mais pobres, e será justamente nos mais ricos que elas se instalarão. A própria Zona Franca de Manaus, que sobreviveu à abertura reestruturando-se e sendo uma indústria, vai ser muito prejudicada.
O novo projeto de ZPE não desata os nós tributários que prejudicam as exportações brasileiras. Não equaciona os investimentos necessários para a aceleração do crescimento, pelo contrário, reduz a disponibilidade para o imprescindível investimento público. Não difunde tecnologia -a menos que seja a tecnologia de maquiagem de produtos importados e de burla contra a ação do fisco brasileiro.
Não contribui em nada para o desenvolvimento do Brasil. É o avanço da "bagunça economics". Zonas de retrocesso : ninguém merece!

LUIZ PAULO VELLOZO LUCAS , 50, engenheiro, é deputado federal (PSDB-ES) e ex-prefeito de Vitória.

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