São Paulo, terça-feira, 22 de junho de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Cotas e desigualdade
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO e BRUNO FERMAN
A probabilidade de aprovação no vestibular aumenta na medida em que cai a demanda (e a renda futura) pela ocupação. Portanto um estudante da escola pública de segundo grau ou entra em um curso cuja taxa de retorno é baixa (devido aos baixos rendimentos dos profissionais formados nesses cursos), ou enfrenta uma pequena probabilidade de ser aprovado no vestibular em uma profissão cuja taxa de retorno é alta. Ou seja, a taxa de retorno esperada do ensino superior para esses alunos é pequena. Nessas condições, o aluno de segundo grau de uma escola pública tem muito menos incentivo para se esforçar, dedicar-se ao estudo e melhorar sua qualificação para entrar na universidade do que o de uma escola particular. Esse é um dos determinantes da baixa qualidade dos estudantes de segundo grau das escolas públicas: falta de incentivo e de motivação. Ao se instituir o sistema de cotas, o resultado será um aumento significativo da taxa de retorno esperada do ensino superior para os alunos dessas escolas e, portanto, um maior incentivo para que se dediquem ao estudo. Um aspecto importante é que as cotas sejam por curso, e não por instituição. O aumento da taxa de retorno esperada do ensino universitário para os alunos cotistas ocorre exatamente porque aumenta a probabilidade de que eles sejam aprovados nos cursos que têm elevada taxa de retorno, que são exatamente os que têm relação candidatos/vagas mais alta. Esse incentivo tem três conseqüências: faz crescer a qualidade dos estudantes e das escolas públicas de segundo grau; aumenta a pressão de pais e alunos para a melhoria da escola; e, no longo prazo, faz diminuir a perda de qualidade da universidade pública decorrente da baixa qualidade de seus alunos. Mas, se o grau de dificuldade é muito baixo -ou seja, se a cota é relativamente elevada-, a probabilidade de o aluno passar no vestibular será alta, independentemente do esforço realizado, e o incentivo desaparecerá. E, se a qualidade da escola pública aumentar, eventualmente o incentivo ao maior esforço vai se esgotar. Portanto, em vez de terem um percentual fixo (50% da vagas), as cotas deveriam variar por curso e ao longo do tempo, em função da relação entre as médias das notas no vestibular dos alunos das escolas particulares e as dos alunos das escolas públicas. Quanto maior a relação entre essas médias, maior a cota, com um limite superior de 50%, por exemplo. Conforme essa relação cair, as cotas devem diminuir. Quando as médias se igualarem, as cotas serão automaticamente extintas, não sendo necessário mudar a lei. O mesmo ponto se aplica às subcotas para negros e indígenas, pois a porcentagem desses grupos na população é maior do que entre os alunos de segundo grau das escolas públicas, tornando as cotas excessivamente elevadas para gerar incentivo ao esforço. O sistema de cotas terá como resultado colateral o deslocamento de parte dos alunos das escolas particulares que antes entravam nas universidades federais para as universidades particulares, o que deverá aumentar a qualidade dos alunos dessas universidades e, assim, melhorar as universidades particulares. Portanto, apesar de a instituição de cotas ter um efeito perverso sobre a qualidade da universidade pública no curto prazo, no longo prazo o resultado poderá ser uma melhora da qualidade do ensino de segundo grau público e das universidades particulares, diminuindo a desigualdade na qualidade do sistema educacional no Brasil e tornando a distribuição dos gastos governamentais com educação mais igualitária. O resultado líquido depende da intensidade desses (e de outros) efeitos, mas, pelo menos a priori, parece ser positivo, se comparado à atual situação, na qual a universidade pública é gratuita e atende fundamentalmente aos filhos dos 20% mais ricos da população, e poderá contribuir para a redução da desigualdade de renda no país. José Márcio Camargo, 56, doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é professor de economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada. Bruno Ferman, 22, é mestrando do Departamento de Economia da PUC-RJ. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Nilton Freixinho: Uma nova Cruzada? Índice |
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