São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2006 |
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ROBERTO MANGABEIRA UNGER Projeto externo já A
SUCESSÃO presidencial aviva o debate a respeito da política exterior. Acusa-se o
governo de substituir a defesa de
nossos interesses comerciais por
ideologia. Infelizmente, o problema de nossa política exterior é
muito mais grave. E não é de agora.
Com variações e exceções, seguimos, desde a Segunda Guerra
Mundial, duas orientações. Juntas,
não compõem uma política exterior; mascaram a ausência dela.
De um lado, empunhamos reivindicações comerciais específicas,
como a campanha contra o protecionismo agrícola. Comentou-me
nesses dias o chanceler de outro
país que o Brasil não tem política
exterior; tem apenas política comercial. É a pura verdade e o oposto da crítica que se faz entre nós.
Nossa política comercial é ineficaz
justamente por ser apenas comercial. As reivindicações pontuais dividem os países segundo seus interesses pontuais. Não possibilitam
convergências amplas e inovadoras. Não abrem caminhos. Não
apontam para maneira de reorientar a globalização.
Por exemplo, os países -sejam
ricos, como a França, ou pobres,
como a Índia- que se construíram
por meio de aliança entre o Estado
e o pequeno proprietário rural não
sacrificarão sua personalidade histórica no altar dos dogmas do livre
comércio. E a nós, se pensássemos
com mais clareza, não interessaria
trocar liberdade total para nossas
exportações agrárias por vulnerabilidade total de nossa produção
industrial. O que interessa, sim, é
consolidar regime de comércio
mundial que não impeça governos
de se aliarem com produtores (como fizeram todos os países que são
ricos hoje) e que não trate os instrumentos de tais alianças como
subsídios proibidos. Regime que
construa a abertura econômica sobre a base da diversidade de trajetórias de desenvolvimento, não da
convergência forçada para um único modelo de economia. Para influir, porém, no futuro da globalização, em vez de nos rendermos a
destino supostamente inexorável,
seria preciso possuirmos o projeto
externo e interno fortes que nos
faltam -ambos- hoje.
De outro lado, assistimos, há
meio século, como contrapartida
do mercantilismo míope, ao palavrório de um terceiro-mundismo
pirracento e vazio e às encenações
de uma união sul-americana frustrada. União que não se consuma
por falta de estratégia conseqüente
e compartilhada de desenvolvimento e das instituições comuns
que lhe dêem voz. É a política exterior como compensação retórica
para a carência de uma idéia, para
valer, de nosso rumo nacional.
É hora de acabar com os dois lados desse equívoco. É hora de ter
projeto -para fora e para dentro.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Sergio Costa: O bicho e o bonde Próximo Texto: Frases Índice |
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