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MARINA SILVA
Chico Mendes
VINTE ANOS sem Chico Mendes, assassinado em Xapuri
no dia 22 de dezembro de
1988, aos 44 anos. O país, ainda embalado pela Constituição recém-aprovada, primeira a reconhecer a
proteção do meio ambiente como
dever do Estado e direito e dever
dos cidadãos, via repercutir no
mundo inteiro a notícia da morte
do seringueiro que ousara liderar
um movimento para evitar a destruição da Amazônia.
Nestes vinte anos, expandiu-se
muito o espaço das preocupações
ambientais no planeta. Hoje, Chico
Mendes seria um entre tantos a enfrentar a resistência dos que teimam em esquivar-se de inescapáveis mudanças no estilo de desenvolvimento predador ainda dominante. E por que Chico foi tão especial? Porque se antecipou ao tempo
e deu coordenadas, com clareza e
simplicidade, para aspirarmos a
uma era de maior convergência entre crescimento econômico, justiça
social e respeito a limites no uso
dos recursos naturais. Porque foi
um líder profundamente comprometido com valores e original na
ação.
Há quem esteja tão à frente, pela
intuição, pela sabedoria, pela capacidade de se ver em muitos, que vai
varando o tempo e alcança o futuro
no presente. E aqueles que antecipam o tempo nunca o fazem impunemente. Mandela, Ghandi, Luther King pagaram o preço. Chico
Mendes também pagou. Parece
que essa capacidade antecipatória
tem sempre efeito avassalador,
tanto para provocar incompreensão quanto para despertar consciências ou, ainda, para abreviar a
vida de quem se transforma em antena do mundo e da humanidade.
Chico viveu tudo o que suas circunstâncias permitiram e seus
ideais pediram. Tinha uma visão
horizontal, inclusiva, quase feminina da política. Preferia a negociação à disputa, a conversa ao conflito, a aliança ao protagonismo exclusivista, mas assumiu radicalmente todas as confrontações necessárias, até a final, com a sua própria morte tão anunciada. E ganhou, sobrevivendo a ela.
Como diz Lacan, o sentido só
aparece depois. No caso de Chico,
apareceu plenamente após sua
morte, porque a antecipação só pode mesmo ser percebida depois.
Pessoas como ele são realizadoras
de sonhos, de esperança, alimentadoras de novos processos. Se "tudo
que é sólido desmancha no ar", elas
nos dizem que tudo que é sólido se
sustenta nos sonhos.
Quando vivo, acusavam-no de
ser contra o desenvolvimento da
Amazônia, de fazer "o jogo dos
americanos". Hoje, seu discurso é a
sustentação para o discurso de todos, sinceros e insinceros, que tentam seguir carreira política, fazer
investimentos ou implantar projetos na região.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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