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CARLOS HEITOR CONY
Uma noite de Natal
RIO DE JANEIRO - Desde o dia 13
está ali, na cela do Batalhão de
Guardas, tendo Joel Silveira como
companheiro, e um cartaz na parede com o lema: "A guarda morre,
mas não se rende". Joel colocou por
cima a página inteira de um jornal
com a cara do Papai Noel. O bom
velhinho sorri estupidamente, com
suas bochechas coloridas, mas não
dá para salvar nem alegrar a noite
de Natal que se aproxima.
Os advogados dos dois, dele e do
Joel, haviam negociado uma visita
dos parentes, mulheres e filhas,
mas o comando da região militar
vetou a visita aos presos do AI-5.
Deviam ser comunistas e não mereciam o Natal dos homens de boa
vontade que acreditavam em Deus
e no Natal.
A noite caiu, a lâmpada empoeirada que pendia do teto não lembrava luz, lembrava calor, o verão
daquele ano fora terrível. Para
abreviar a noite, resolveram dormir
mais cedo, mas a porta de repente
se abriu e entraram dois soldados
com duas bandejas. O comandante
do batalhão, um homem distinto,
que parecia não ter nada a ver com a
prisão da qual era carcereiro, mandava uma garrafa de vinho nacional
-que o Joel classificou como vagabundo, mas bebeu-o todo. Evitei
me contaminar com o vinho dos
vencedores.
Havia passas, um pedaço de panetone e uvas, que pareciam boas.
Lembrei o verso de André Eloy
Blanco: "Madre, son acidas las uvas
de la ausência". As uvas do cárcere
também são ácidas, mesmo assim,
provei uma. Não estava tão ácida
assim, mas amargou aqui dentro.
Depois do vinho, Joel começou a
cantar o "Noite Feliz" e me convidou para fazer o mesmo. Eu não havia bebido nada e detesto de coração a canção natalina. Fiquei só ouvindo a voz desafinada do meu
companheiro dizendo que um pobrezinho havia nascido em Belém.
Parece que para nosso bem.
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