São Paulo, sábado, 23 de janeiro de 2010

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Editoriais

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Conta perigosa


É um erro subestimar os riscos que a elevação do deficit externo pode trazer para o crescimento da economia brasileira


O BRASIL encerrou 2009 com um deficit externo de US$ 24,3 bilhões, valor equivalente a 1,5% do PIB. Este desequilíbrio foi mais do que compensado pela entrada recorde de capitais, de US$ 70 bilhões, a maior parte direcionada para investimentos diretos e ações em bolsa. Tal sobra permitiu ao país acumular US$ 46,7 bilhões em reservas internacionais, que já somam mais de US$ 240 bilhões.
Considerado de forma estática, um deficit externo de 1,5% do PIB não é um risco imediato. Mas nos últimos meses a situação piorou. A persistir o rumo atual, o Brasil pode ter um rombo próximo a US$ 50 bilhões em 2010 -e maior em 2011. Tal cifra configuraria um alerta vermelho para qualquer gestor responsável de politica econômica.
Uma atenuante destacada pelos observadores mais otimistas é o fato de os deficits serem financiados, até agora, por recursos que não são provenientes de novas dívidas. De fato, cerca de 75% do passivo externo brasileiro, que somava cerca de US$ 1 trilhão em dezembro de 2009, encontrava-se na forma de ações em bolsa e de investimentos diretos no capital das empresas.
Esta é uma inversão do padrão histórico, quando o financiamento bancário representava a maior parte dos compromissos do país. É também uma apólice de seguro, pois, no caso de uma desvalorização cambial, o valor deste passivo cai automaticamente -afinal, os lucros destes investimentos são gerados em reais e convertidos em moeda estrangeira apenas no momento da remessa. Portanto é baixo o risco de uma crise cambial causada por endividamento externo.
Mesmo assim, trata-se de um conforto que não elimina a possibilidade de problemas. Independentemente da forma que assume o financiamento, déficits externos elevados submetem o país aos humores do sistema financeiro internacional e às oscilações dos fluxos de capitais, que podem se mostrar menos favoráveis nos próximos anos.
Deficits de 4% ou 5% do PIB em 2010 e 2011 não deveriam ser encarados como algo trivial ou consequência natural de um ciclo virtuoso da economia brasileira. Ao contrário, as contas externas estão, em ritmo veloz, transformando-se num flanco vulnerável. Uma piora do cenário na China, por exemplo, poderia desvalorizar as commodities exportadas pelo Brasil e criar uma situação perigosa.
A brusca interrupção do que hoje é uma fonte abundante de financiamento provocaria instabilidade cambial, incertezas para a gestão da política monetária e, muito provavelmente, menor crescimento. A margem de manobra da politica econômica poderia novamente se mostrar estreita, desmentindo a impressão atual de resistência a choques.
Em essência, trata-se de reconhecer que as experiências mais bem sucedidas de crescimento acelerado e sustentável estão associadas à geração de fontes domésticas de financiamento. Infelizmente, a política econômica do governo vai na direção oposta.


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