São Paulo, domingo, 23 de janeiro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mudança de tempo

JOSÉ VIEGAS FILHO


Em certas partes, onde a repressão é mais dura e os desequilíbrios sociais são mais fortes, os jovens e a sociedade estão prontos para ir à rua


Os eventos na Tunísia são insólitos não só porque é a primeira vez que uma revolta derruba um governo no mundo árabe na era moderna mas também porque o movimento vitorioso não tem líder nem programa e reúne, em um primeiro momento, toda a sociedade civil -pobres, ricos, islamistas e secularistas. Todos apontam as causas: desemprego e ditadura. Das consequências ninguém sabe.
Mas, afinal, essa incerteza é uma situação típica do nosso tempo. O que vai acontecer com o euro? Vamos conseguir reverter os problemas causados pelas emissões de CO2? Quanto tempo mais durará a recessão no hemisfério Norte?
Como será o mundo em 15 anos?
Ninguém sabe. O número, a variedade e a dimensão dos problemas atuais superam claramente a capacidade presente de resolvê-los.
O capitalismo venceu, há mais de 20 anos, e hoje governa sozinho.
Os critérios do mercado e do lucro prevalecem, indiscutíveis, em todas as partes.
O resultado foi uma crise que já está no quarto ano e que ainda não dá sinais de que esteja se abatendo.
Ao contrário, aprofunda-se, transforma-se de crise financeira em crise econômica; e de crise econômica em crise política. A reação dos Bancos Centrais e dos dirigentes financeiros da área pública é igual em todas as partes: corte dos gastos e dos deficit públicos. E, se necessário for, aumento de impostos (menos nos EUA, onde isso parece ser impensável).
Nessas circunstâncias, é impossível para as economias desenvolvidas sustentar os programas sociais, reduzir o desemprego e garantir os direitos do trabalhador.
Quem causou a crise foram os agentes financeiros do Atlântico Norte. Quem pagou o prejuízo foram os governos, com o dinheiro dos contribuintes. E, agora, quem paga a conta é o povo, de novo: recessão, perda salarial, desemprego e redução dos serviços públicos.
O receituário do capitalismo financeiro global não está funcionando. Tampouco o receituário político das democracias mais tradicionais. Retomando o elenco de problemas: há alguma solução em vista para a persistência do terrorismo? Para as guerras assimétricas?
Para o choque das civilizações?
O que o mundo começa a perceber, com apreensão, é que, no receituário capitalista liberal, não há solução prevista nem para a crise nem para os outros problemas aqui mencionados.
Por outro lado, o que se começa a perceber, com curiosidade, é que uma série de eventos novos começa a acontecer. Em certas partes, onde o desemprego é mais alto e a repressão é mais dura, onde os desequilíbrios sociais são mais fortes, o povo -os jovens, a sociedade civil- está pronto para ir à rua.
Não há teorias, não há objetivos claros, não há partidos políticos que liderem ou que orientem os movimentos. Eles podem, portanto, ser mais destrutivos que construtivos. Existe, acima do Equador, um cheiro de anarquia no ar.
Felizmente, o nosso país é o Brasil, que não só está longe dessa perspectiva como caminha na direção oposta: a do progresso, da inclusão e da concórdia.

JOSÉ VIEGAS FILHO, 68, é embaixador do Brasil na Itália. Foi ministro da Defesa (2004-2005) e embaixador do Brasil na Dinamarca (1995-98), no Peru (1998-2001), na Rússia (2001-2002) e na Espanha (2005-2008).

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