São Paulo, segunda-feira, 23 de fevereiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A ética do PT e o caso Waldomiro

ALOYSIO NUNES FERREIRA

O país assiste ao desmoronamento da imagem do PT de proprietário monopolista da ética na política. O partido que, na oposição, não hesitava em exigir CPIs para atacar adversários, agora desempenha papel oposto, ao abafar a apuração de um escândalo que indubitavelmente atinge o Planalto. No Brasil, não há precedentes de um episódio como esse, em que um alto funcionário do governo é desmascarado negociando propinas com um representante do crime organizado.


Queremos o PT e o ministro José Dirceu ao nosso lado para desencalhar a reforma política


A exoneração de Waldomiro Diniz do importante cargo que ocupava na Presidência da República foi inevitável, embora insuficiente para recompor a respeitabilidade do governo Lula. É preciso descobrir e punir os seus comparsas, pois é evidente que ele não agia sozinho. Mais do que isso: temos que saber a mando de quem Waldomiro atuava. Urge também responder às inúmeras indagações surgidas a partir da cena em que o ex-braço direito do ministro-chefe da Casa Civil pede dinheiro para campanhas eleitorais em troca de mudanças nas regras sobre as máquinas de apostas lotéricas. Não é necessário muito esforço para perceber que esse é apenas um lance de um enredo mais amplo. Somente com uma apuração rigorosa será possível saber as ramificações da atuação do personagem que, até a quinta-feira da semana passada, despachava no Palácio do Planalto, num andar abaixo do presidente.
O sr. Waldomiro Diniz não surgiu do nada e nem estava por acaso na presidência da empresa de loterias do Rio de Janeiro, a Loterj, quando protagonizou, em 2002, a cena grotesca de corrupção com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Segundo o ex-governador Garotinho, ele foi indicado para o cargo por José Dirceu, então presidente nacional do PT, a título de representação do partido no governo do Rio. É óbvio que a indicação não foi prerrogativa pessoal do deputado José Dirceu. O que faria um deputado paulista, inegavelmente honrado, com a presidência da Loterj? Ele foi nomeado para servir à direção nacional do PT. O diálogo entre Waldomiro e Cachoeira revela, com toda a crueza, o que Diniz fez pelo partido. E por que, exatamente, a presidência da Loterj? Como explicar essa inclinação do PT por jogos e apostas? A opção petista por um cargo que nada tem a ver com seu programa e suas propostas de políticas públicas causa perplexidade. É relevante lembrar que Waldomiro continuou no posto após o rompimento do PT com Garotinho, e foi mantido no mesmo lugar quando Benedita da Silva assumiu o governo.
Quando foi nomeado subchefe da Casa Civil no governo Lula, a vocação de Waldomiro Diniz para o jogo sujo já era conhecida. É surpreendente que a agência de inteligência do governo, a Abin, a quem cabe examinar os currículos das pessoas indicadas para o governo, tenha falhado de forma tão grosseira em relação ao sr. Waldomiro. Mais surpreendente ainda é que o governo nada tenha feito depois que o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, e o senador Demóstenes Torres (PFL-GO) enviaram requerimento à Presidência da República registrando as suspeitas que pairavam em relação ao principal assessor de José Dirceu. Soube-se agora que parlamentares do PT do Rio, como Antonio Carlos Biscaia, também alertaram o Planalto sobre Waldomiro. É inacreditável que a Presidência da República continuasse ignorando o lado obscuro do poderoso assessor ou que, dele tendo tomado conhecimento, não tenha apurado as denúncias. O inquietante é que, ao mesmo tempo em que esses rumores corriam, o presidente da República baixava decreto constituindo grupo de trabalho para cuidar de um tema que, como se viu, tocava as cordas mais sensíveis do coração de Waldomiro: a legalização dos bingos.
A verdade é que, enquanto o Planalto não colaborar para lançar a luz mais brilhante sobre as atividades a que se dedicou o talentoso Waldomiro uma vez instalado na subchefia da Casa Civil, como intermediário entre o Executivo e o Congresso, continuará a Presidência envolta nessa atmosfera sulfurosa que os esforços do sr. José Genoino não contribuem para dissipar. É patético vê-lo, numa recriação do personagem televisivo do Beato Salu, brandindo ameaças apocalípticas contra o PSDB, não se sabe bem por que cargas d'água. Ou na pele do impagável ministro da Informação de Saddam Hussein assegurando que está tudo bem; que o subchefe decaído não era petista; que tudo se passou outrora, no ano remoto de 2002; e que de lá para cá Waldomiro transformou-se num querubim. Essa atitude defensiva só faz enfraquecer o governo e torná-lo refém dos poderosos de sempre do Congresso. Pelo menos na questão ética o PT não pode virar as costas para seu passado e trabalhar para que um escândalo de tamanha gravidade acabe em pizza. Mais ainda: é preciso o engajamento enérgico do PT para dar uma solução positiva ao caso, longe do moralismo estéril a que todos somos tentados. Queremos o PT e o ministro José Dirceu ao nosso lado para desencalhar a reforma política e estabelecer regras de financiamento de campanha e de disputas eleitorais imunes à ação dos Waldomiros e de outros gafanhotos.

Aloysio Nunes Ferreira, 58, é deputado federal pelo PSDB-SP e vice-presidente do partido. Foi ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República e ministro da Justiça no governo FHC.


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