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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Hora de dizer não
Quando, há mais de duas décadas, o Brasil ingressou no rumo
empobrecedor que vem trilhando, a
nação tinha, entre os maiores países
em desenvolvimento, companheiros
nessa trajetória. Agora não tem nenhum. O país teima sozinho em caminho que os outros já rejeitaram com
maior ou menor clareza. De todos
eles, é hoje o que menos cresce.
O que temos pela frente? Recuperação medíocre, porque limitada por
falta de renda e excesso de juro, e precária, porque sujeita a ser interrompida por qualquer choque externo. Um
Estado que parou de investir para honrar sua dívida só consegue pagar metade do serviço dela. Caímos sob o domínio de idéia que esses anos de estagnação e conformismo já provaram falsa: que agrados sucessivos aos mercados financeiros -na condução das
políticas monetária e fiscal e na definição da agenda de reformas- propiciam investimentos e empregos. A
primazia dada à confiança financeira
ajudou a levar o Brasil à breca.
Enquanto isso, o país se pergunta
quantos escândalos ainda estão por
transparecer, por conta de acertos político-empresariais negociados num
ambiente em que se confundem hegemonismo, dirigismo e fisiologismo.
Falta pouco para que o presidente
-cada vez mais escapista e inconseqüente- comece a ser vaiado por onde ande no país.
Com o enfraquecimento do governo, patenteia-se a relação de convergência e de comprometimento entre o
PSDB e o PT: duas agremiações, sediadas em São Paulo, que, embora ricas
em quadros que reivindicam o crescimento includente, se juntaram em defesa de estratégia pelo menos tão nociva aos paulistas quanto aos brasileiros
em geral. Defesa impelida menos por
interesse partidário ou empresarial do
que por desorientação, a mesma desorientação que aflige a grande mídia,
que, mendigando ajuda do Estado,
continua, quase toda ela, a apoiar a
política que a quebrou. Diante de tudo
isso, é preciso afirmar três verdades
que definem ponto de partida para a
ação de que o Brasil necessita.
Em primeiro lugar, não falta alternativa de rumo. A alternativa está muito
clara. Acarreta riscos e reações. Só
mistura de confusão e covardia, porém, explica que se insista, em nome
da prudência, em caminho que faz o
Brasil minguar, econômica e espiritualmente.
Em segundo lugar, não atua como
estadista quem, da suposta oposição,
se apresente, em nome da "governabilidade", para escudar o governo. Trabalhar para derrotar, pelo esclarecimento e pelo voto, nossos governantes infiéis é hoje o dever mais premente de todos os cidadãos.
Em terceiro lugar, o país não deve
optar entre um não-governo, que executa política que foi eleito para substituir, uma não-oposição, que só pode
criticar o governo como executor menos competente da mesma política
malograda que ela protagonizou, e
um sectarismo de esquerda, que se
contenta em fazer contraponto em vez
de se esforçar por fazer diferença. Temos de construir, começando dentro
da classe média e das organizações da
sociedade brasileira, outra força. Força que represente a alternativa -capacitadora de energias e democratizadora de oportunidades- desejada
pelos brasileiros. Que a construção
dessa força pareça quase impossível,
em meio aos constrangimentos que
cercam nossa vida pública, só torna a
tarefa mais atraente para os espíritos
magnânimos e fortes.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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