São Paulo, quinta-feira, 23 de março de 2006 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES O mito (verdadeiro) de Robin Hood às avessas
ODED GRAJEW
No Brasil, os impostos indiretos representam 12,1%, e os diretos, 4,1%, ao passo que, nos Estados Unidos, representam 4,6% e 12,4%, e, no Canadá, 8,8% e 13%, respectivamente. A carga tributária diminui à medida que aumenta o rendimento das pessoas, chegando a representar 26,3% para quem ganha acima de 30 salários mínimos. São, portanto, os pobres que, proporcionalmente, pagam mais impostos. A distribuição de recursos no Orçamento federal não é menos vergonhosa. A nossa carga tributária total (União, Estados e municípios) equivale à carga tributária da Inglaterra, Alemanha e Canadá, países que certamente devolvem esses recursos de forma bem melhor a sua população. Dos recursos arrecadados, aproximadamente R$ 16 bilhões vão para a educação, R$ 36 bilhões, para a saúde, e R$ 150 bilhões, para o pagamento dos juros da dívida governamental. Embora a Constituição brasileira obrigue a uma total transparência nas contas públicas (a população tem o direito de saber o que é feito do seu dinheiro), a lista dos recebedores dos juros continua sendo totalmente sigilosa. Mas não é difícil imaginar que esses recursos são destinados aos mais ricos, que possuem as maiores poupanças e cujos rendimentos permitem que eles obtenham sobras para aplicar no mercado financeiro. Algumas estimativas avaliam que aproximadamente 20 mil famílias recebem 70% desses recursos. Anualmente, 8 milhões de famílias recebem R$ 7 bilhões do Bolsa-Família, enquanto aproximadamente 20 mil famílias recebem R$ 105 bilhões em pagamento de juros. Temos, portanto, um sistema fiscal e tributário e uma execução orçamentária que funcionam no sistema Robin Hood às avessas: por esses mecanismos, os pobres transferem anualmente recursos bilionários aos mais ricos. A situação nos Estados e municípios não é muito diferente. Assim, não é por acaso que temos sido, durante tantos anos, uma das sociedades mais antiéticas do mundo. Não é por acaso também que a violência, fruto dessa injustiça, apresenta todas as características de uma guerra civil. Essa situação foi montada ao longo do tempo por nossos governantes e legisladores, e não porque eles, na sua grande maioria, sejam apenas perversos e insensíveis, mas por um sistema no qual eles têm que retribuir o investimento que neles fizeram os financiadores (que, majoritariamente, pertencem às camadas mais ricas da população) das campanhas eleitorais. Esse assunto e essas informações são desconhecidos pela maioria da sociedade brasileira, que delega aos especialistas a discussão sobre nosso sistema fiscal e tributário e o acompanhamento da elaboração e execução dos orçamentos públicos, o que explica em boa parte a timidez na pressão por mudanças. Por sua imensa relevância, pelo decisivo impacto sobre nossas vidas e nosso país, deveria ser objeto de debate obrigatório e permanente nas escolas, universidades, sindicatos, organizações sociais e religiosas, entidades empresariais e meios de comunicação. Oded Grajew, 61, empresário, membro do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, é presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global. Foi idealizador do Fórum Social Mundial, idealizador e presidente da Fundação Abrinq e assessor especial do presidente da República (2003). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Fábio Kerche: Simplificações conceituais Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |