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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Kafka em Sucupira
SÃO PAULO - Alguém deve ter reclamado a ausência da Diretoria de
Pequenas Causas (Próprias). Odorico Paraguaçu já teria criado a Subsecretaria da Jenipapança. O Senado, de resto, nada deve a Sucupira.
Pelo contrário: é a alegoria cômica
do país tacanho, corrupto e atrasado que não dá conta dos excessos da
realidade, não obstante a atualidade da obra de Dias Gomes quase 40
anos depois da sua consagração.
A crise que toma o Congresso já
não é moral, mas de metáforas. Parece até que acordamos de repente
de um sonho estranho com 181 diretores no Senado. Para contornar
o pesadelo, Heráclito, o Fortes,
anuncia com pompa o corte de 50
cargos. São, agora, só 131 diretores,
em nome da moralidade pública.
Mas por que não 147 ou 93? 111 ou
77? Seria mais "transparente" criar
as Diretorias das Explicações Surreais de curto, médio e longo prazos
-184, e não se fala mais nisso!
Tudo nessa história soa absurdo e
arbitrário. Está evidente que tanto
a cultura arraigada do compadrio e
dos favores quanto a pantomima
moralizante que deveria combatê-la obedecem a uma mesma lógica,
de preservação dos interesses de
uma burocracia que funciona para
alimentar a si mesma.
A total desconexão dessa política
com a sociedade diz muito da distância entre o projeto original de
Brasília e o que ela representa hoje
-do abismo entre o que a capital
quis ser e o que se tornou.
O problema, claro, não é estético,
mas a aposta de Niemeyer, no caso
do Congresso, foi sendo devorada
pela profusão de anexos, de salinhas obscuras, de corredores acarpetados e paredes aveludadas. O
cortiço cafona que funciona sob o
esqueleto da utopia moderna parece selar um destino histórico.
Neste mundo fechado de privilégios autoconcedidos, a mansão de
Agaciel é o sonho de consumo do
barnabé abnegado. E o castelo do
deputado Edmar Moreira -um
conto de fadas kitsch- talvez seja a
melhor metáfora da vida como ela é
hoje em Sucupira, a capital do país.
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