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São Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Masp: passado, presente e futuro

JÚLIO NEVES

A criação do Masp, há 55 anos, dota São Paulo, metrópole então emergente, de uma instituição símbolo de suas aspirações internacionais. A América Latina contava então com três museus ricos em patrimônio artístico internacional. O Museu San Carlos, no México, criado há mais de dois séculos; o Museu Nacional de Buenos Aires, fundado em 1895, e o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, cujo histórico das coleções se entrelaça com a evolução da Academia Imperial ao longo do século 19, mas que, enquanto instituição museológica, data de 1937.
Característica comum dessas três instituições era a de serem museus nacionais de Estado. O Masp, diferentemente, trazia desde seu nascimento o dinamismo de uma iniciativa privada, capitaneada por duas personalidades maiores e sobejamente conhecidas de nossa história: Assis Chateaubriand e Pietro M. Bardi. A coragem de pensar grande, a nobreza e generosidade de propósitos, a agilidade na tomada de decisões e o talento aliavam-se, então, para criar uma coleção que se tornaria em pouco mais de dez anos a mais renomada do continente latino-americano. O Masp logo viria a se colocar no mapa mental de quem tivesse interesse pela cultura.
A causa dessa nomeada é, antes de mais nada, a coleção do museu, não pelo tamanho de seu acervo, com aproximadamente 7.000 peças, mas por se tratar de uma seleção de obras de relevância histórica e qualidade estética realmente excepcionais. No Brasil, o acervo do Masp promoveu a educação artística de três gerações, sendo apreciado também por seu pioneirismo na criação e no desenvolvimento de diversas especializações profissionais. Ao longo de uma história que traz a marca indelével de seus idealizadores e criadores, o Masp fomentou cursos e ateliês em jornalismo, fotografia, publicidade, pintura, escultura e história da arte.
A municipalidade, em reconhecimento de tal acervo, dotou o Masp de uma sede definitiva, projetada pela mestra Lina Bo Bardi, que se tornou um dos símbolos da cidade. A responsabilidade pela manutenção desse patrimônio arquitetônico e museológico demandou a mobilização, ao longo dos últimos anos, de recursos e esforços ingentes para colocar o Masp nos modernos padrões museológicos internacionais.
Tais esforços visaram dois objetivos. Primeiramente, recuperar o edifício e sua capacidade instalada. Em segundo lugar, ampliar e aperfeiçoar a infra-estrutura do museu. Assim, graças à construção de um novo subsolo abrangendo toda a área do museu, foi criada uma sala de reserva técnica, absolutamente imprescindível, para satisfazer as exigências da museologia contemporânea.


O Masp, espelho de nossa caleidoscópica cidade, deve acolher todas as tradições histórico-artísticas


Como todo museu, o Masp é uma instituição que tem por finalidade a salvaguarda, a valorização cultural e a ampliação do seu patrimônio artístico, mantendo sobretudo inalterada sua vocação originária, que é tríplice: histórica, internacional e metropolitana. Por histórica, entendemos que o Masp não pretende substituir os museus de arte contemporânea. Por internacional, que o Masp não é um museu restrito à arte que se produz dentro de nossas fronteiras. Por metropolitano, enfim, compreendemos que o Masp não é um museu de belas-artes, na acepção do termo na história dos grandes museus europeus, mas uma instituição aberta à pluralidade dos universos artísticos oriundos das mais diversas civilizações.
É bem verdade que oferecemos prevalentemente ao nosso público um leque representativo do que de melhor se produziu na arte ocidental, dos séculos 13 ao 20. Mas é parte constitutiva da vocação do museu educar também para a arqueologia clássica, bem como para a vida espiritual de outras civilizações. O Masp, espelho de nossa caleidoscópica cidade, deve acolher todas as tradições histórico-artísticas, por vezes milenares, dos povos que a construíram.
Seguem daí duas consequências, que balizam a consecução das metas estratégicas do museu. A primeira é que, embora continue empenhado em promover exposições de grande envergadura, o Masp não deve definir como sua prioridade a realização de exposições temporárias. Estas competem aos centros culturais, institutos culturais e entidades congêneres, que vêm se desincumbindo à perfeição dessa tarefa. O Masp atuará sempre, no concerto dessas iniciativas, como uma voz importante, mas sem presunção de hegemonia.
A segunda consequência é igualmente evidente. Uma vez preparado e equipado para conservar seu patrimônio, a agenda do museu é a mesma de qualquer outro dotado de um grande acervo: educar sua comunidade para o usufruto adequado e o enriquecimento de suas próprias coleções, reforçando sempre mais sua identidade como instituição. O desafio é imenso, e tanto mais para um museu que, como o Masp, deve fazer face a custos sempre superiores à renda obtida por seus ingressos. Tal desafio demanda, antes de mais nada, uma ampliação considerável de atividades didáticas, hoje bravamente assumidas pela Escola do Masp e por seu serviço educativo. Tal desafio demanda também uma campanha para a aquisição de acervo, com recursos que deverão provir preponderantemente de nossas lideranças empresariais, e com o apoio dos incentivos oferecidos pela legislação.
Para a realização dessas duas metas, a direção do Museu está criando o Instituto Masp, instrumento fundamental para a arregimentação desses recursos.
A missão do Masp foi, é, e continuará sendo, em última instância, educar para a arte e para a mensagem espiritual consignada na história das civilizações de que é fruto nossa sociedade. O apoio ativo dela é fundamental para o cumprimento dessa missão.

Júlio Neves, 70, arquiteto e urbanista, é presidente do Masp (Museu de Arte de São Paulo).


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