São Paulo, segunda-feira, 23 de abril de 2007

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O Ministério Público e o litoral norte

ANTÔNIO MARCOS CAPOBIANCO


São Sebastião, um município com os mais altos níveis de IPTU e ICMS per capita e royalties da Petrobras, teme por um futuro sombrio


EM ARTIGO neste jornal, "Litoral Norte pode morrer na praia" (11/04/ 2005), abordei alguns dos grandes problemas da região. Em 2006, o Brasil correu atrás do seu futuro, discutindo os planos diretores municipais. Alguns ainda não foram concluídos, isto é, não se tornaram lei aprovada, pois estão suspensos por ações liminares requeridas pelo Ministério Público, por pressão da população.
Em São Paulo há casos, por exemplo, na grande São Paulo e no litoral norte, como os de Caraguatatuba e São Sebastião. Em São Sebastião porque a sociedade civil reclama que a prefeitura, além de não ter dado a devida publicidade a todos os documentos produzidos, desconsidera a sua posição, frontalmente contrária às propostas de verticalização predial e flexibilização geral da legislação de uso do solo, e desconsidera a carência de saneamento, que condiciona a aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade.
Os planos diretores sempre foram questionados por não serem devidamente implementados. Muitas vezes servem de biombo para a flexibilização da legislação de uso do solo. Procura-se aproveitar a maior mobilização da sociedade, manipulando de modo a se conseguir legitimidade para a flexibilização, cujo beneficiário certo é o setor da construção/imobiliário, enquanto fica para o resto da sociedade o pagamento da fatura dos prejuízos (deseconomias) da aglomeração e adensamento (construtivo e de gente, tráfego, esgoto, poluição).
Sarah Feldman, em "Planejamento e Zoneamento": "A implantação da legislação de zoneamento é marcada pela utilização de estratégias que negam debate com a sociedade (...) além do estreito círculo (...) de interesses particulares. A elaboração e aprovação da legislação de zoneamento se dá no circuito dos gabinetes técnicos (...) de solicitações de particulares ou do executivo. O zoneamento é elaborado e implantado à surdina."
O Estatuto da Cidade não veio só para cercear o excessivo ou inadequado aproveitamento de imóveis, mas procura também induzir a ocupação. Todavia, no litoral norte, a verticalização e o adensamento perverso são repelidos pela maioria da população, que reconhece a essencialidade da conservação do seu patrimônio natural, suas águas doces e do mar, que determinam a qualidade do seu turismo, condicionando o desenvolvimento.
Apenas dois bairros, dentre os dezoito da parte Sul, têm Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs). Estudo revela problemas de projeto das instalações e de especificação de equipamentos, e operação incompleta de todas as fases do processo, resultando em ameaça à saúde pública.
Outra missão para o MP, com dois fundamentos meta-individuais: o meio ambiente e a ordem urbanística.
Em 2004, a Sabesp foi condenada pela Justiça de Paraguaçu Paulista a pagar R$ 116,9 milhões por jogar esgoto no rio. Mesmo que tivesse ETEs em todas as praias e funcionando a contento, restaria o problema da falta de capacidade de suporte ambiental de São Sebastião para um ritmo de crescimento e adensamento muito maior que o atual. Considerados caros, os emissários submarinos não são cogitados, embora a região precise deles.
Além do favorecimento de grupos imobiliários, a liberação da lei teria outra fatídica finalidade: promover uma anistia branca, uma "zerada na conta" das ilicitudes contra a atual legislação de uso do solo. Além de barrar a verticalização e o afrouxamento dos demais índices construtivos, cabe ao MP resgatar o passivo de denúncias de agressões à lei atual, para que a Justiça puna os responsáveis, reverta obras irregulares ou aplique multas pesadas. E resolver os casos de esbulho e estreitamento de praia, a que Ibama e Secretaria do Patrimônio da União não dão respostas.
Já nos anos 90, em artigo nesta Folha, defendemos a criação da Curadoria de Meio Ambiente do MP no Litoral Norte. Noutro artigo, entoamos loas à Ação Civil Pública (ACP) e ao MP, a quem se confiou a tutela dos direitos difusos e trans-individuais. Entretanto, já confessávamos ali nosso desalento com certa falta de respostas ou de ações judiciais conclusivas.
Posteriormente, festejamos a alteração, pelo Estatuto da Cidade, da Lei da ACP, incluindo mais um direito meta-individual à tutela do MP: a ordem urbanística. Em 1998, em outro artigo, o título já dizia tudo: "São Sebastião, vice-campeã paulista em criminalidade". Hoje, pesquisa revela que a cidade passou ao lugar mais alto do pódio sinistro, inclusive quando se considera o assassinato de jovens.
Um município com os mais altos níveis de IPTU e ICMS per capita e royalties da Petrobras, teme por um futuro sombrio. Urge fazer a regularização fundiária e implantação das ZEISs (Zonas de Especial Interesse Social) e barrar as invasões de áreas impróprias para a ocupação, que são o motor maior dos problemas sociais. Hoje a sociedade espera que o MP -o segmento do setor público mais bem remunerado por ela, juntamente com a magistratura- se renove como o guardião eficaz da sadia urbanidade.

ANTÔNIO MARCOS CAPOBIANCO , sociólogo e ambientalista, foi vice-presidente do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte de São Paulo (CBH/LN) e da Federação Pró-Costa Atlântica.

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