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JOSÉ SARNEY
O grande baile
Paris: - "Cá e lá, más fadas há",
ensinaram-nos os portugueses.
Não é diferente da pauta brasileira a
pauta européia, mergulhada na discussão sobre previdência social, aposentadorias, juros e dólar.
Temos uma vantagem. Não estamos
no olho do furacão do rescaldo da
guerra do Iraque, com os americanos
sedentos de castigos aos países que
não se alinharam em sua aventura militar. Leia-se França e Alemanha.
O euro sobe, o dólar cai. No Brasil, a
mesma coisa com o real. Só que na Europa a leitura é negativa. Atribuem esse tobogã a uma manobra americana
para prejudicar as exportações da CEE
e favorecer o retorno do crescimento
dos Estados Unidos.
Sobre a inatividade, uma onda de
greves é desencadeada com a perspectiva do aumento da idade-limite para
a aposentadoria. A esquerda -que
ainda há esquerda na Europa- é acusada de ser a mais conservadora do
mundo. Envelheceu. E, como os velhos, só fala do passado, contando histórias em que revive seus sofrimentos.
A pauta mundial é uma só, feita pelo
grande círculo de fogo do neoliberalismo, tendo a comandá-lo, dominante
única e sem contraste, a potência americana.
Quanto aos juros, são feitos os mesmos pedidos para baixar. Enquanto os
EUA praticam taxas em torno de
1,25%, os europeus estão no patamar
(que palavra chata) dos 2,5%, o que
importa em perda do poder de competição.
Na verdade, os governos perdem a
capacidade de alterá-los, espremidos
num espaço muito pequeno de decisão autônoma. Depois que Greenspan
popularizou de volta a lei de que o segredo da estabilidade está no rígido
controle da moeda, há um Banco Central mundial, invisível mas eficaz, que
controla tudo e está nos Estados Unidos, com suas reservas e o poder inesgotável de emitir moeda conversível.
Como exemplo, seu déficit atual é o
maior de sua história, US$ 500 bilhões,
e não acontece nada.
Nosso Copom, dentro dessa difícil
operação, não tem o que escolher.
Tem de agir com as armas da realidade. O presidente Lula não pode, em
nenhum instante, tornar-se vulnerável a uma leitura de correr riscos. É
que, com ou contra a nossa vontade,
participamos de um grande baile, o
baile do tempo em que vivemos.
Há pouco, o salão era ocupado por
dança de "pas de deux". Estados Unidos e União Soviética, burgueses e
proletários, igrejas e ateísmo, revolução e reforma, tudo num equilíbrio
mantido pelo medo da confrontação.
Hoje, nosso baile tornou-se menos
monótono e mais aberto. Nem por isso menos perigoso. Os Estados Unidos dançam com o Iraque, que muda
de dama, mas continua no baile; judeus e palestinos estão agarrados; as
civilizações se entrelaçam e o islamismo quer outra música.
A paisagem social é o pano de fundo
que decora o salão. Nele, a exclusão
pela falta de trabalho explica a matança maciça dos empregos.
No baile, juros e dólar seguem o ritmo de um minueto que ainda não acabou.
E Fukuyama ainda fala que chegamos ao fim da história. No Brasil, os
índios protestam no Congresso contra
a tributação dos inativos. Ouviram errado: é que lhes disseram que iriam
tributar os nativos na reforma da Previdência. E de equívoco em equívoco
segue o grande baile do mundo e da
política.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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