UOL




São Paulo, sexta-feira, 23 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

O grande baile

Paris: - "Cá e lá, más fadas há", ensinaram-nos os portugueses. Não é diferente da pauta brasileira a pauta européia, mergulhada na discussão sobre previdência social, aposentadorias, juros e dólar.
Temos uma vantagem. Não estamos no olho do furacão do rescaldo da guerra do Iraque, com os americanos sedentos de castigos aos países que não se alinharam em sua aventura militar. Leia-se França e Alemanha.
O euro sobe, o dólar cai. No Brasil, a mesma coisa com o real. Só que na Europa a leitura é negativa. Atribuem esse tobogã a uma manobra americana para prejudicar as exportações da CEE e favorecer o retorno do crescimento dos Estados Unidos.
Sobre a inatividade, uma onda de greves é desencadeada com a perspectiva do aumento da idade-limite para a aposentadoria. A esquerda -que ainda há esquerda na Europa- é acusada de ser a mais conservadora do mundo. Envelheceu. E, como os velhos, só fala do passado, contando histórias em que revive seus sofrimentos.
A pauta mundial é uma só, feita pelo grande círculo de fogo do neoliberalismo, tendo a comandá-lo, dominante única e sem contraste, a potência americana.
Quanto aos juros, são feitos os mesmos pedidos para baixar. Enquanto os EUA praticam taxas em torno de 1,25%, os europeus estão no patamar (que palavra chata) dos 2,5%, o que importa em perda do poder de competição.
Na verdade, os governos perdem a capacidade de alterá-los, espremidos num espaço muito pequeno de decisão autônoma. Depois que Greenspan popularizou de volta a lei de que o segredo da estabilidade está no rígido controle da moeda, há um Banco Central mundial, invisível mas eficaz, que controla tudo e está nos Estados Unidos, com suas reservas e o poder inesgotável de emitir moeda conversível. Como exemplo, seu déficit atual é o maior de sua história, US$ 500 bilhões, e não acontece nada.
Nosso Copom, dentro dessa difícil operação, não tem o que escolher. Tem de agir com as armas da realidade. O presidente Lula não pode, em nenhum instante, tornar-se vulnerável a uma leitura de correr riscos. É que, com ou contra a nossa vontade, participamos de um grande baile, o baile do tempo em que vivemos.
Há pouco, o salão era ocupado por dança de "pas de deux". Estados Unidos e União Soviética, burgueses e proletários, igrejas e ateísmo, revolução e reforma, tudo num equilíbrio mantido pelo medo da confrontação.
Hoje, nosso baile tornou-se menos monótono e mais aberto. Nem por isso menos perigoso. Os Estados Unidos dançam com o Iraque, que muda de dama, mas continua no baile; judeus e palestinos estão agarrados; as civilizações se entrelaçam e o islamismo quer outra música.
A paisagem social é o pano de fundo que decora o salão. Nele, a exclusão pela falta de trabalho explica a matança maciça dos empregos.
No baile, juros e dólar seguem o ritmo de um minueto que ainda não acabou.
E Fukuyama ainda fala que chegamos ao fim da história. No Brasil, os índios protestam no Congresso contra a tributação dos inativos. Ouviram errado: é que lhes disseram que iriam tributar os nativos na reforma da Previdência. E de equívoco em equívoco segue o grande baile do mundo e da política.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: O papel da política
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.