São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2004

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CULTURA DA TORTURA

Aos poucos, os norte-americanos vão descobrindo o que boa parte do mundo já sabia antes mesmo de as primeiras fotos de prisioneiros iraquianos submetidos a maus-tratos em Abu Ghraib serem divulgadas: os casos de tortura não eram episódios isolados, mas fazem parte, senão de uma política deliberada de Estado, ao menos de uma cultura tolerada e até incentivada por autoridades civis e militares.
Como era de certo modo compreensível depois dos ignominiosos ataques do 11 de Setembro, os norte-americanos pareciam dispostos a sacrificar parte de seus direitos civis em troca de mais segurança. Em novembro de 2001, ainda sob o impacto dos atentados, intelectuais de esquerda chegaram a defender a instituição da tortura com autorização judicial.
Se até a "intelligentsia" liberal pensava assim, não se deve duvidar de que os falcões que circundam a Casa Branca tenham ido mais longe. Além dos diversos pacotes de medidas legais para reforçar a segurança, cuidaram de tornar a base militar norte-americana de Guantánamo (Cuba) na primeira prisão "offshore", que recebeu combatentes muçulmanos capturados na guerra do Afeganistão. Lá eles estão sendo mantidos incomunicáveis, sem acusação formal e sem direito à proteção das leis americanas e da Convenção de Genebra.
Ao que consta, a "tecnologia" de maus-tratos utilizada em Abu Ghraib foi "importada" de Guantánamo. Avolumam-se também indícios de que as ordens para torturar vinham, tácita ou diretamente, de cima. É notável a esse respeito um memorando de 2002, do Departamento de Justiça, que praticamente afirma que leis internacionais contra a tortura não se aplicam ao presidente dos EUA e seus subordinados porquanto estejam agindo para defender o país.
Diante de tantos e tão graves antecedentes, o espantoso é que os norte-americanos se surpreendam ao descobrir-se cometendo os abusos.


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