São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2008

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Quem tem medo da China na África?

JACQUES D'ADESKY


Com taxas de crescimento médio elevadas, a África terá um papel cada vez maior no contexto econômico global do século 21


DESDE A década de 1960, a China tem estabelecido com a África uma cooperação silenciosa e eficaz nas áreas da saúde e construção civil. Nos dias atuais, a presença chinesa no continente africano faz parte da busca pelos recursos naturais indispensáveis para a expansão de sua economia. No plano político, isso implica não se intrometer em assuntos internos, como o não-respeito aos direitos humanos em determinados países africanos.
Com o fim dos acordos preferenciais com a União Européia, a África encontra-se, por sua vez, na obrigação de diversificar seus parceiros comerciais. Nesse contexto, a nova política africana da China é bem recebida, por sua contribuição para o desenvolvimento da agricultura por meio da construção de infra-estrutura -ferrovias, estradas e modernização de portos-, além do fornecimento de máquinas e equipamentos agrícolas de fácil manuseio e manutenção.
A China é hoje o terceiro parceiro comercial da África, logo abaixo da França e dos Estados Unidos. Por meio de uma rede de representações comerciais em 49 países africanos, compra matérias-primas essenciais ao seu crescimento, como cobre, ferro, bauxita e urânio. Desde 2004, tem despontado como o segundo comprador de petróleo, depois dos Estados Unidos e antes do Japão.
Além do comércio, a África aparece como um alvo privilegiado dos investimentos chineses, como uma espécie de plano piloto em uma estratégia para a globalização de suas grandes empresas.
A situação idílica criada a partir desse novo impulso expansionista da China no continente africano é algo para ser aplaudido ou deve ser motivo de preocupação? Sem sombra de dúvida, a presença chinesa não pode ser simplesmente um mar de rosas.
Um levantamento sobre a posição dos países africanos em relação à China ficaria distante de um consenso, abrangendo desde a forte oposição até uma inaceitável subserviência perante o gigante asiático.
Países como Malauí e Namíbia acusam a China de um comportamento predatório, ao empregar mão-de-obra mal remunerada sem assegurar a devida transferência tecnológica.
A crescente atuação dos chineses no varejo das grandes cidades africanas tem provocado descontentamento entre os comerciantes locais, incapazes de competir com os preços até cinco vezes mais baratos que as marcas tradicionais.
Por outro lado, essa situação não desagrada a todos -ao facilitarem aos mais pobres o acesso aos aparelhos eletrodomésticos como TV a cores, DVD, CD etc., os varejistas chineses têm contribuído para democratizar o consumo de massa.
Com elevadas taxas de crescimento médio -em torno de 5,8% em 2007, maior do que o da América Latina, de 5,2%-, o continente africano terá um papel cada vez maior no contexto econômico global do século 21. Nem a China, nem a Europa, nem os Estados Unidos serão capazes de responder sozinhos às imensas demandas de infra-estrutura resultantes da expansão econômica da África.
No início dos anos 1980, o Brasil havia estabelecido com a África um importante intercâmbio comercial e uma rica experiência de cooperação técnica. A recente expansão do intercâmbio Brasil-África atesta a retomada da política africana do Brasil.
O volume total de negócios (importações e exportações) foi multiplicado por quatro, passando de US$ 5 bilhões de em 2002 para US$ 20 bilhões em 2007. O interesse da África pelas tecnologias brasileiras, notadamente no campo do biocombustível, aponta para parcerias promissoras com Senegal, Gana, Argélia e outros.
Essa surpreendente revitalização poderia ter atingido patamares bem mais elevados se a política brasileira em relação à África não tivesse sido abortada na década de 1990.
Por exemplo, se na década de 1980 era possível viajar de avião diretamente do Rio de Janeiro para Lagos (Nigéria), Abidjan (Costa do Marfim) e Casablanca (Marrocos), nos dias de hoje tais viagens implicam estressantes voltas por Paris, Londres e Madri.
Considerando esse novo impulso das relações Brasil-África, é possível imaginar que a concertação multilateral com nossos vizinhos da América do Sul, fomentada pelo Brasil por meio da Afras (Cúpula África-América do Sul), desemboca na diversificação das relações econômico-comerciais, políticas e culturais entre esses dois continentes.
E, diante do papel das diásporas no mundo do século 21, os laços culturais entre a América do Sul e a África poderão constituir para o futuro um trunfo essencial na promoção de uma maior convergência de interesses no campo das relações de cooperação Sul-Sul.


JACQUES D'ADESKY , 58, graduado em ciências econômicas pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), doutor em antropologia social pela USP, é pesquisador do Centro de Estudos das Américas da Universidade Candido Mendes e coordenador do Programa Sul-Sul do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais.

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