São Paulo, Quarta-feira, 23 de Junho de 1999
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Três consensos

ANTONIO DELFIM NETTO

Os eventos dos últimos meses parecem ter levado, finalmente, a um consenso sobre os seguintes pontos, há muito absorvidos pelos "vieux économistes":
1) Qualquer regime cambial tem de escolher dois entre três objetivos altamente desejáveis: a) política monetária autônoma, b) taxa de câmbio fixa e c) liberdade de movimento de capitais. A combinação deles, dois a dois, produz os diferentes regimes conhecidos. Assim, o regime de Bretton Woods foi produzido combinando uma política monetária autônoma com taxa de câmbio fixa, excluindo a liberdade de movimento de capitais. A combinação de uma taxa de câmbio fixa com a liberdade de movimento de capitais, excluindo, portanto, a política monetária autônoma e, logo, abdicando do controle do nível de atividade do país, resulta no "currency board". E, finalmente, combinando a política monetária autônoma com a liberdade de movimento dos capitais, exclui-se o câmbio fixo e temos o regime do câmbio flutuante.
Não existe um sistema cambial ideal. Todos eles têm virtudes e defeitos. A virtude está em escolher o regime que melhor convém ao desenvolvimento do país e que possa compatibilizar o equilíbrio interno (pleno uso da capacidade produtiva e da mão-de-obra disponível e inflação parecida com a dos parceiros) com o equilíbrio externo (déficit em conta corrente sustentável). Como os países desenvolvidos caminharam para a flutuação cambial, exatamente para garantir a possibilidade de controlar o seu nível de atividade, nem o regime de câmbio fixo nem o regime de "currency board" seriam opções adequadas para nós. A escolha que o Brasil fez pelo câmbio flutuante parece, portanto, a mais acertada.
2) A despeito de muita sofisticação na construção de modelos das crises cambiais nos últimos 20 anos, a acumulação de informações sugere que, em última instância, elas são sempre geradas por uma incompatibilidade entre o equilíbrio interno e o equilíbrio externo. Às vezes um país com câmbio fixo é obrigado a reduzir sua taxa de juros e aumentar os gastos públicos porque enfrenta um longo e permanente desemprego já não aceito pela sociedade. Deslancha, assim, uma pressão irresistível sobre a taxa de câmbio. Outras vezes, para sustentar a taxa de câmbio, sacrifica o nível de atividade e o emprego pela elevação da taxa de juros. O custo da operação vai se tornando insuportável e a percepção dos operadores é que a política não é sustentável por muito tempo. Instala-se uma dúvida que leva a ataques contra a taxa cambial. Foi isso o que aconteceu com o Brasil: a inconsistência entre o equilíbrio interno (alto desemprego) e o equilíbrio externo (sustentado com altas taxas de juros) levou à crise cambial e à mudança do regime.
3) O câmbio flutuante flutua para reduzir a volatilidade da taxa de juros. Isso é um pouco mais do que um truísmo. Como reconheceu ms. Haimalainen, do Comitê de Política do Banco Central Europeu, "se estabilizarmos a taxa de câmbio, vamos ter volatilidade na taxa de juros, e esta é ainda mais prejudicial para os investimentos e para a credibilidade da política monetária".


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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