São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008

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Balde de óleo frio

Crise financeira mundial força Petrobras a rever investimento do pré-sal; pausa poderá também tornar debate mais sóbrio

O PRESIDENTE Lula precisou de várias semanas para dar-se conta da ficção embutida na idéia de descolamento da economia brasileira em relação à crise mundial. O otimismo demorou a ceder no confronto com os fatos; em paralelo, escasseavam referências entusiásticas à cornucópia do pré-sal. Esse percurso da retórica governamental se completa agora com a sóbria entrevista do presidente da Petrobras a esta Folha, na qual indica que o cenário global afetará "fortemente" a exploração das jazidas.
Se antes já eram muitas as incógnitas sobre os novos recursos e a melhor maneira de financiar sua exploração, um desafio técnico sem igual, com a contração generalizada do crédito as incertezas se multiplicam. Some-se a isso o preço do petróleo, já abaixo de US$ 70, e o panorama fica ainda mais anuviado.
José Sergio Gabrielli, da Petrobras, ainda pareceu contaminado de otimismo ao dizer que, mesmo na hipótese de o preço do petróleo cair a US$ 50, a exploração da camada de pré-sal não fica inviabilizada. Com efeito, nada garante que a baixa prossiga, num mercado que vai de US$ 150 o barril para menos da metade em três meses. Mas, com a desaceleração da economia internacional, tampouco se descarta que venha a estabilizar-se abaixo de US$ 70. Isso poria o pré-sal numa faixa de risco, pois alguns especialistas chegam a estimar em até US$ 70 o preço mínimo viável.
Por outro lado, o presidente da Petrobras tem razão ao apontar que o efeito mais acentuado da crise se dará na capacidade da estatal de levantar o financiamento necessário. Calcula-se que a exploração pode exigir até US$ 1 trilhão de investimentos. Na quadra atual, faz sentido alongar o planejamento para além de 2013, até para 2020.
A crise mundial representa a oportunidade de devolver a discussão do pré-sal aos trilhos da lógica. Até agora o governo federal vinha tentando fazer o carro movimentar-se na frente dos bois. O foco recaía numa extemporânea discussão acerca da participação e do controle do Estado sobre um recurso mineral em essência mal conhecido.
Surge a oportunidade de avançar primeiro na caracterização das jazidas. Apenas em 2009 serão realizados os testes de longa duração, cruciais para verificar a pressão dos poços e seus custos operacionais. Depois, haverá que garantir recursos para financiar a exploração e, aí sim, compatibilizar tal fluxo de investimento com um plausível aumento no controle da União sobre o ritmo de produção e em sua participação na receita.
A crise traz, porém, um risco adicional: paralisar de vez o debate. Se antes o governo parecia não saber direito o que fazer do pré-sal, agora que o horizonte de exploração se afasta pode caminhar para o extremo oposto e esquecer por completo a questão.


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