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Menos que o possível
Lula reproduz, em entrevista, conhecidas atitudes de acomodação diante da fisiologia e do arcaísmo na política
GERÊNCIA técnica, tática
de alianças, governabilidade. A política como
"arte do possível".
Conceitos e lemas desse tipo fixaram-se, ao longo do tempo, como ingredientes típicos da retórica e da prática tucanas. De Fernando Henrique Cardoso a Aécio Neves, passando por Geraldo
Alckmin e José Serra, peessedebistas de estilo bastante diverso
parecem convergir nessa visão,
afinal bastante desencantada e
pragmática, da vida pública.
Não chega a constituir surpresa o fato de que a entrevista com
o presidente Lula, publicada ontem nesta Folha, tenha basicamente reproduzido muito desses mesmos hábitos de raciocínio. Do "tucanês" fernandohenriquista ao "lulês" de hoje, ganhou-se algo, sem dúvida, em termos de imaginação para as
metáforas insólitas, mas preserva-se o essencial.
No governo FHC, o tema da
"modernização" do Estado brasileiro nunca representou empecilho para que se fizessem alianças com o que sempre existiu de
mais arcaico e oligárquico na política brasileira. Muda o presidente, muda o partido, mas não
se altera a tolerância com o patrimonialismo e com o atraso.
"Qualquer um que ganhar as
eleições", disse Lula, "pode ser o
maior xiita ou o maior direitista,
ele não conseguirá montar o governo fora da realidade política."
Sim, sem dúvida. Ninguém diria o contrário. Exceto, naturalmente, os que estão fora do poder -foi o caso do PT durante
muitos anos, e é agora o caso,
com algumas ironias específicas,
da oposição de PSDB e DEM.
Qualquer cidadão que tenha
lembrança das antigas promessas lulistas de mudar o estilo de
fazer política no Brasil haverá de
considerar, todavia, que o pragmatismo do presidente vai longe
demais quando refuta as acusações que pesam contra o presidente do Senado, José Sarney:
trata-se de "um grande republicano", afirmou o petista.
Mas não se trata apenas de
comparar o que se dizia no passado e o que se diz no presente. A
maior diferença, e que se esquece com rapidez, é a que existe entre o realismo e a acomodação, o
pragmatismo e a conivência.
A realidade política é o que é,
repete o presidente Lula. Mas há
uma diferença entre tentar mudá-la e contribuir para que continue como está. A política não é
apenas "a arte do possível", como dizia Fernando Henrique
Cardoso -mas a arte de ampliar
esses limites.
Não haveria razão -exceto a
do puro oportunismo- para
considerar automaticamente
utópica a atitude de uma liderança política que procurasse
colocar na sua agenda a reforma
eleitoral, o fortalecimento dos
mecanismos de controle da sociedade sobre os gastos públicos,
com maior transparência do Estado e efetiva participação dos
cidadãos.
Numa tirada que se presta a
todo tipo de desconstruções, Lula afirmou que mesmo Jesus
Cristo teria de fazer aliança com
Judas, se este contasse com os
votos do eleitor.
No vale-tudo das metáforas
presidenciais, seria mais adequado dizer que, diante do arcaísmo da política brasileira, Lula assume a atitude de Pôncio Pilatos: lava, simplesmente, as
mãos. Coisa que adianta pouco,
aliás, no atual estado das instituições republicanas.
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