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CARLOS HEITOR CONY
Tempo em três tempos
RIO DE JANEIRO - "Eu sei o que é
o tempo. Mas se me pedirem para
dizer o que é o tempo, não saberei
dizê-lo". A citação (de memória) é
de Santo Agostinho, um dos pensadores mais admirados e citados a
partir da segunda metade do século
20. Gênio em todos os sentidos, na
vida e na obra.
Mas não é dele que vou lembrar,
além da citação inicial. É mesmo sobre o tempo que a gente perde, desperdiça, mata e acaba nos matando.
E antes de matar, nos mutila de
uma forma ou outra.
Foi nisso que pensei mexendo
numa caixa com algumas fotos antigas. De repente, na mesa de um restaurante que não identifiquei, quatro amigos estão sorrindo entre si:
Ênio Silveira, Jorge Zahar, Paulo
Francis e o autor destas mal traçadas linhas. Dois editores, um jornalista de sucesso e um cara que ainda
acreditava em alguma coisa, inclusive nele mesmo.
Ênio e Jorge deixaram um legado
maravilhoso no mercado editorial.
E uma referência obrigatória no
afeto de todos os que conviveram
com eles. Ênio foi o primeiro a morrer. Meses depois, em Paris, Jorge
me confessou que andava triste,
sentindo falta do amigo de toda
uma vida: o tempo dele custava a
passar. Ao adoecer, Paulo Francis
veio especialmente de Nova York
para visitá-lo, passava o dia com ele,
à noite saíamos para jantar em algum lugar, a última vez foi em minha casa.
Paulo também foi embora, declarava-se tecnicamente morto. Eu
desconfiava que era a falta dos dois
amigos -e acho que desconfiei certo. Os três, Ênio, Jorge e Paulo, sabiam o que era o tempo e viveram
dentro dele o que foi possível. Mas
evitavam defini-lo: bastava o tempo
em si.
Tempo que deixou de ser tempo
quando, um após outro, como Cristo diante de Pilatos, descobriram
que não eram deste mundo.
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