São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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BORIS FAUSTO

O presidente e sua imagem

Ele vai tomar café frio, como outros presidentes da República em final de mandato, diziam alguns, repetindo uma frase banal. Outros diziam coisas piores, anunciando uma renúncia, à maneira de Raúl Alfonsin.
Nada disso aconteceu. Pelo contrário, o presidente está no centro da vida política até o final do mandato, tendo um papel vital, sem desprezar a contrapartida de Lula, na forma auspiciosa pela qual se deu a transição. Para completar, na pesquisa de opinião pública realizada por esta Folha [editada no caderno especial Anos FHC, em 19/12", Fernando Henrique foi escolhido como o melhor presidente que o Brasil já teve, superando até mesmo um dos nossos poucos mitos políticos: Getúlio Vargas.
A discriminação da pesquisa por Estados e pelo Distrito Federal confirma algumas verdades sabidas e fornece, ao mesmo tempo, certas indicações que estão a merecer investigações e análises mais aprofundadas. Exemplificando, o primeiro lugar conferido a Juscelino em Minas e em Brasília dispensa maiores comentários, mesmo quando se constata que Fernando Henrique e Getúlio somados superam largamente Juscelino.
Mas a preferência regional não se aplica inteiramente ao caso do Rio Grande do Sul, em que Getúlio -nascido e sepultado no Estado, de onde partiu para projetar-se no cenário nacional- supera o atual presidente por apenas 1 ponto. Penso que a divisão estreita das preferências reflete a vida política do Rio Grande que, desde os tempos do Império, caracteriza-se pela diversidade de opiniões, pelo aguerrimento e pelas maiores opções partidárias.
Ao mesmo tempo, chama a atenção a nítida vantagem de Getúlio no Rio de Janeiro, onde Fernando Henrique fica em um distante terceiro lugar. Tudo indica que a acirrada disputa entre getulistas e anti-getulistas, especialmente na ex-capital federal, sob a roupagem do lacerdismo e do anti-lacerdismo, acabou redundando na vitória getulista. Insinua-se aí a imagem de um Rio com forte predominância populista, onde o PT se dilacera e o PSDB carece de expressão, embora o populismo varie de nomes, da estrela cadente Brizola ao luzente Garotinho.
Por outro lado, é significativo constatar que o janismo virou pó, com 1 ponto nas preferências, e que, afora os três minguados pontos do general Figueiredo, nenhum presidente militar aparece na lista, não obstante a existência da figura paternal-autoritária do general Geisel e de seu importante papel no processo da abertura.
Pensando em pesquisas futuras, a partir das relações entre imagem e memória, podemos nos perguntar se o mito Getúlio manterá consistência, ou se os dados de hoje são indicativos de um declínio. Ou se a imagem de Fernando Henrique, que felizmente não se converterá em mito, ganhará novas dimensões.
São questões para nós sem resposta. Hoje, o certo é que o presidente vai deixar o cargo bastante prestigiado, a tal ponto que muita gente infensa ao discurso populista começa a acreditar que, às vezes, "a voz do povo é a voz de Deus".


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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