São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 2006

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Indolência fiscal

Entre as causas estruturais da crise no setor aéreo se destaca o contingenciamento aleatório de recursos

OS AEROPORTOS brasileiros viveram ontem mais uma jornada de caos e desrespeito aos usuários. Dando asas à incompetência com que vem lidando com a crise -que já se arrasta há mais de dois meses sem sinal de solução-, tudo o que o governo Lula se prontificou a fazer foi oferecer aviões da FAB para "ajudar" no transporte de passageiros.
A demagogia evidentemente não vai resolver nada. Não vai apagar o rematado fracasso de diversas instâncias do governo federal ao lidar com a crise. Tampouco esconderá o desleixo na forma aleatória como a gestão Lula conduz o ajuste fiscal -como ocorria, de resto, sob FHC-, preocupada só com o resultado global do caixa. Essa incúria está entre as principais causas estruturais do descontrole aéreo.
Faltaram investimentos na expansão e na modernização do sistema de controle do espaço aéreo; houve pane na alocação de recursos humanos necessários para lidar com um mercado em expansão; as agências governamentais observaram passivamente o decréscimo substancial na qualidade e na oferta dos serviços oferecidos pelas empresas com problemas financeiros. Fica evidente que as companhias não foram capazes de absorver a expansão da demanda.
A crise explicitou os impactos perversos do ajuste fiscal efetuado de forma linear, cortando a esmo previsões orçamentárias e contingenciando de maneira uniforme os recursos. Foi solenemente desprezada a relevância estratégica e operacional de cada item de gasto, como destacou relatório recente do TCU (Tribunal de Contas da União).
As ações de governo dirigidas a operação, manutenção e desenvolvimento do sistema de controle do espaço aéreo brasileiro deveriam ser custeadas quase que integralmente por receitas decorrentes de tarifas. Mas o Tesouro Nacional toma grande parte dos recursos do sistema aeroportuário e os lança em seu cofre para fechar as contas.
Segundo o TCU, nos últimos seis anos o governo deixou de repassar ao Comando da Aeronáutica cerca de R$ 582 milhões. Assim, limitou a capacidade das instituições de prover com efetividade o serviço de controle do tráfego aéreo, bem como de ampliar sua capacidade operacional para absorver o fluxo crescente de passageiros.
Se a Infraero e o Tesouro Nacional garantissem a transferência e o uso das receitas arrecadadas pelo sistema aéreo, ele poderia se auto-sustentar, o que viabilizaria a sua manutenção e a sua modernização.
A Aeronáutica recebeu recursos extras para compra de equipamentos e foi autorizada a fazer concurso para contratação de mais controladores. A persistência da crise, no entanto, demonstra a necessidade de aperfeiçoar o planejamento do sistema de tráfego aéreo brasileiro, projetando o aumento da demanda de vôos, estimulando a concorrência por meio da autorização para a entrada de novas empresas etc.
A baderna aérea demonstra, sobretudo, a necessidade urgente de acabar com o modo preguiçoso de fazer ajustes fiscais no Brasil. Quantos outros "apagões" não estarão em gestação devido a esse mesmo mal de origem?

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